29 abril 2010

TOQUE CINCO: 5 PÉROLAS SETENTISTAS DO ROCK PROGRESSIVO


Setentófilo, no meu Aurélio Buarque de España, é todo sujeito que enxerga nos anos 70 a Era de Ouro da cultura universal. E é claro que não sou setentófilo porra nenhuma. Tem muita coisinha daquela década, entre troços locais, internacionais ou intergaláticos, que são muito menos aturáveis e desejáveis que cabeçudíssimas formigas de roça nos testículos. De rock progressivo então, nem se fala. Também não sou um fã incontestável e inabalável de rock progressivo. Posicioná-lo no alto da cadeia alimentar do rock é um exercício infantil, preguiçoso, pernóstico e de um academicismo virulento e imbecil. E é impressionante como tem gente fazendo rock progressivo por aí. E é mais impressionante ainda como se fez rock progressivo muito ruim por aí. E é ainda mais impressionantemente impressionante como ainda se faz rock progressivo ainda pior por aí.

Os alternativos com cara de mendigo e cheiro de teiú morto gostam dessa última afirmação. E fazendo gritar o gene do para-anarquismo punk -  do qual são filhotes malformados -, enxergam o prog rock como uma babaquice nerd feita para quem só sabe fazer duas coisas na vida: se masturbar e se masturbar enquanto estuda algum instrumento. Não estão totalmente errados. A petulância tecnicista dos ‘progressistas’ é um cacoete muito irritante. É como se tocar não fosse mais do que ter alguma coordenação para meter os dedos entre trastes e teclas mais e mais e mais rápido, como se alguem fosse gozar no final. Mas entre esperar que o Cidadão Instigado faça algo, digamos, instigante, e que o Transatlantic pare de tentar fazer a maior faixa jamais gravada no Ocidente, o bom senso não vacila: manda uma pecinha de cinco horas sem maionese aí, ô bandinha do navio.

Há muita bosta no rock progressivo. Talvez seja muito mais fácil listar o que há de pior e engraçado na estilística do que extrair sua nata. Mas há algo que não deve ser desconsiderado: o Guided By Voices tem seus méritos, mas nunca fez e nunca fará um ‘Close To The Edge’. O Pixies cometeu lá seus acertos, mas não tem a menor idéia do que é necessário para alcançar um ‘Wish You Were Here’. Pra que comparações tão questionáveis? Pra esclarecer que, se quando erra o progressivo é até indigno das piores galhofas, quando acerta vai longe demais para que seus artefatos se limitem a pérolas de um rótulo só. E  essas obras ficam lá, em um altar, sombreadas pela continência de fãs não disso ou daquilo, mas, sobretudo, de coisas soberbamente inspiradas, excelentemente executadas e absolutamente intocáveis. 

1)    Close to the Edge (YES) 1972 


 
É realmente um lixo ter que citar esse disco. Nenhum Homo Sapiens minimamente familiarizado com listas de masterpieces do progressivo agüenta mais ouvir falar dessa obra. Se um débilóide pensa em uma listinha qualquer, lá vem o ‘Close to the Edge’ encabeçar a porcaria da relação. Isso é revoltante, vergonhoso, contagioso e inafiançável. Mas não tem jeito: quem for capaz de deixar uma obra dessas de fora de qualquer menção positiva ao rock progressivo realmente merece, para ser delicado, um sutil atropelamento de avião Hercules carregado de material bélico.

‘Close to The Edge’ é maior que o Yes. Talvez maior que todo o rock progressivo. E isso por ser uma obra atemporal, que ultrapassa os limites da estilística progressiva da época em que fora lançado – mais lisérgica do que virtuosística -, dita postulados timbrísticos e se comporta como um apêndice na própria discografia do Yes. Contribuíram para isso um repertório de ‘meras’ 3 canções encomendadas em algum universo paralelo, um Steve Howe (guitarra) sem limites, um Chris Squire (baixo) inimitável, um Bill Bruford (bateria) brincando de ser gênio e um Jon Anderson (vocal) com a voz de mulherzinha mais charmosa da história dos vocalistas com voz de mulherzinha.

Até o sempre questionável ‘tecladeiro’ Rick Wakeman ficou embevecido por alguma coisa - que ele nunca mais saberia o que era, vide seus discos posteriores - e deixou seu classicismo pastelão de molho para atuar com relativa economia e sob o estandarte da Beleza maiúscula. E é claro que não poderia faltar um finale magnifico pra toda essa pagação de pau toda: ninguém nunca mais chegaria tão próximo do limite nem faria mais nada parecido - seja no Universo, seja na Bahia.


2)    Wish you Were Here (Pink Floyd) 1975


 
Com a nada minúscula missão de suceder uma monstruosidade crítico-comercial como ‘Dark Side of The Moon’ (o ‘Thriller’ dos anos 70), os sujeitos do Pink Floyd poderiam apenas repetir a fórmula anterior e garantir o pagamento de seus mercadinhos e a compra à vista de mais algumas ilhinhas gregas aqui ou ali. Mas pesou a doidice. Pesou a necessidade de se fazer uma balada imortal. Pesou a necessidade de se converter nostalgia em idiomas timbrísticos e estudos supremos de slide guitar. Pesou a necessidade de se fazer uma musiquinha de 25 minutos. Pesou a necessidade de se dividir essa maldita musiquinha em duas partes. Mentira. Só estou especulando. Não tenho a menor idéia do que estavam pensando quando resolveram dividir ‘Shine On Crazy Diamond’ no meio.

E quem liga pra isso? O que interessa é que aquela ‘Shine On You Crazy Diamond’ possui um dos melhores refrãos de todos os tempos. Que a andróide ‘Welcome to the Machine’ faz tudo o que o Kraftwerk queria ter feito quando crescesse.  Que ‘Have a Cigar’ é tão classuda que deve ter sido concebida por David Gilmour num violão surrado de Jeff Beck e entre telefonemas para Jimmy Page (suposições, calma). E que a canção título, mesmo atacada por meio bilhão de órfãos de Legião Urbana que se descobriram ‘capazes’ de ‘tocá-la’ em pracinhas, nunca apresentou sinais de esgotamento. Graças a tudo isso, os alfabetizados e dotados de alguma centelha de bom senso classificariam essa obra entre os mais perfeitos e consistentes discos jamais gravados pela turminha de Roger Waters. Mas ela não é exatamente isso. ‘Wish you were here’ é, isso sim, um dos mais perfeitos e consistentes discos jamais gravados.

3)    Heavy Horses (Jethro Tull) 1978


 
Tudo o que Enya e Lorena McKennit gostariam de ter era um pinto. Não o meu ou o seu, mas o de Ian Anderson, líder musical e espiritual do Jethro Tull. Porque sua banda é o que há de mais testosterônico na retomada do som folk, celta, druida, camponês ou do raio que o parta que remeta a uma Inglaterra pré-industrial ou a uma Irlanda salpicada de menestréis. E esse ‘Heavy Horses’ representa o fastígio dessa linguagem. O baixo é mais pesado que o normal. A bateria e a percussão são sacanas. A guitarra é cortante. As flautas, cravos e extravagâncias medievais não estão lá apenas pelo exotismo. E as canções são complexas, trabalhadíssimas - algumas bem sisudas, outras de arrancar um perdigoto lacrimal de, sei lá, uma jaca.

Desde o superestimado ‘Aqualung’ - genial, sim, mas um tanto quanto caduco – o Jethro Tull dava demonstrações de seu absoluto isolamento em relação à sonoridade futuristóide e grandiloqüente do progressivo setentista. Mas é com essa obra que Ian Anderson e sua turminha de maus-caráter amarram a inquestionável originalidade jethrotulliana. Além, é claro, de mostrar que você, viadinho, nunca terá uma barba tão fechada e vermelha quanto a deles. ‘Rover’ e ‘Heavy Horses’, por exemplo, foram provavelmente compostas enquanto os desgraçados carregavam uma caçamba. Um disco de macho.

4)    Selling England By The Pound (Genesis) 1973


 
A voz de Peter Gabriel como vocalista do Genesis é, e sempre foi, uma (atenção): merda. Sua insegurança frasística poderia até ser passável ao vivo - graças à sua esquizofrenia teatral - , mas, nos discos, manchava a performance dos outros quatro, um dos melhores times de músicos do mundo. E não se enganem: neste disco, ele não melhora não. A banda e as composições, todas realizadas em conjunto, é que atingem o inalcançável. E a sonoridade geral obtida chega nas mesmas plagas de um ‘Close To The Edge’: ‘Selling England By The Pound’ é tão timbristicamente visionário e pouco datado que poderia ter sido concebido no início dos anos 90.

Um dos principais culpados por isso é Phil Collins. Como se não bastasse ser precisa e inventiva, sua bateria tem uma das melhores batidas de caixa de todo o progressivo. Por isso não será muito fácil ver por aí a banda de Júnior Lima - só pra citar um fã confesso do sujeito - fazer um cover de ‘The Battle of Epping Forest’, por exemplo. Outro escroto é o baixista Mike Rutherford, que provavelmente deu ração de cavalo pra seu instrumento durante as gravações. Não me lembro de um baixo ter tanta profundidade em registros da época, com a clara ressalva de suas escolhas frasísticas um tanto... herméticas.

Já Steve Hackett, sempre econômico e eficiente nas guitarras, presta às violas uma reverberação belíssima e pouco usual. E Tony Banks... o que dizer desse sujeito? Se desligamos o seu teclado de tudo, só resta um excelente power trio acompanhado de um imbecil com voz de bêbado. Quando o ligamos, temos uma obra prima definitiva de uma época em que fazer rock progressivo era muito mais do que enfiar trechinhos bocós de erudito em tudo.

5)    Hemispheres (Rush) 1978


 
Uma faixinha de 18 minutos dividida em incontáveis episódios e repleta de sons espaciais vindos do nada. Uma pecinha instrumental de 10 minutos com um longo solo de bateria e riffs à velocidade da luz com pressa. Uma cançãozinha sublinhada por quebradeiras polirítmicas e estruturas inconstantes. Outra faixinha com lambidas medievais enroscada nas mesmas complicações. Que terrível tudo isso. Mais parece a autópsia de um disco qualquer de progressivo húngaro, alemão, italiano, armeno, eslovaco, cazaque, alagoano. Ou ainda o inventário do conteúdo de todos aqueles discos do tiozinho parado num progressivo que detesta a MPB mais do que detesta sua própria virgindade. Mas como diria Lula para explicar a Teoria da Relatividade, uma coisa é uma coisa; outra coisa são duas coisas.

Uma coisa é vislumbrar todas essas pequenas fórmulas numa bolacha de vinil do masturbatório Van Der Graaf Generator. Outra é apreciá-las sob a responsabilidade do Rush, uma aberração que começou a carreira como uma espécie de para-Led Zeppelin e a prossegue como uma espécie de para-tudo-que-preciso-aprender-a-tocar. Pelo menos essa deve ser a reação média de quem entendeu minimamente o que eles fizeram em qualquer disco que gravaram. E mesmo repleto de vícios progressivóides, ‘Hemispheres’ é o disco mais saudável do Rush em todos os anos 70. A faixa-título é muito mais complexa, amadurecida e menos presunçosa que uma ‘2112’, por exemplo (uma baleia de 20 minutos gravada por eles em 1976); as duas faixas intermediárias prenunciam a excelente fase oitentista da banda; e a peça final, ‘La Villa Strangiato’, mesmo com lampejos de autoindulgência gratuita, não é necessariamente um ponto fraco na obra.

É claro que muitos apertam em si mesmos o botão da idiotia mistificadora para apontá-la como a melhor faixa instrumental de rock de todos os tempos – o que ela, definitivamente, não é. Mas o importante é que o Van Der Graaf Generator e as bandas de progressivo do Senegal e de Roraima tentarão décadas e décadas para, enfim, não conseguir resvalar na pata da ameba sobre a poeira que descansa em cima da película de plasma microscópico que envolve aquela desgraçada faixa. Por que? Porquê uma coisa é uma bandinha de progressivo. Outra coisa é o Rush, que já não era pouca coisa em 1978, caminhando pra sua inevitável maturidade.  


Próximo capítulo: cinco trilhas sonoras indispensáveis de todos os tempos. 
 

2 comentários:

Herr Almeida disse...

É isso mesmo, Igor: deixei o toca-discos na casa dos meus pais! Troquei por um iPod e descobri que o fone da Apple é melhor que as caixas da Sony. Não sou nem um pouco saudosista, mas tem uma coisa: foi graças aos discos de vinil e, principalmente, graças aos discos de rock progressivo, que me formei um bom ouvinte.

Pois, se existe todo um ritual para a criação de um disco de rock progressivo, também existe um para ouvir esse disco. Tocar o "Wish you were here" implicava dedicação total. Dedicação TOTAL significa que o "Método Lobão" (fumar maconha, ler Nietzsche, bater punheta e ouvir Pink Floyd AO MESMO TEMPO) também não vale.

Hoje em dia, as pessoas não entendem o que ouvem, mesmo quando essa é a única atividade a que estão dedicados. A música assinou o mesmo pacto que a TV tinha com o público: as bandas não fazem mais discos com um comprometimento estético/conceitual e as pessoas concordam em comprar qualquer coisa que não denuncie a sua falta de inteligência. Mas, cara, escute o "Diagonal"... [ http://www.myspace.com/diagonalband ]

E, só para encher o saco e não fugir à babaquice de polemizar com qualquer lista, faltou aí o "In the Court of the Crimson King", do King Crimson.

Jão disse...

Faz um tempinho que o post foi feito, mas merece um comentário mesmo assim.
Tudo muito supimpa, muito bem comentado, escrito e criticado,mas na verdade emito quase um eco do comentário anterior:
CADÊ O CRIMSON KING?
Tendo dito isto, volto ao meu café.