29 novembro 2009

RATADA


A obra: ‘Ben’, de Michael Jackson. Lançada em 1972, obra traz composições de Berry Gordy, Smokey Robinson, Mel Larson, Jerry Marcellino.

Indicado para: quem se derrete com a faixa título e sai para comprar um hamster e um pôster em tamanho natural de Mussolini.

A Nota: 6,62

A crítica:

Expectativa é mesmo um negocinho muito complicado. Um troço angustiante. Intolerante. Massacrante. O Michael Jackson das bainhas na cintura levou essas constatações às últimas consequências, convertendo-se em um monstruoso entusiasta de ensaios e repetições estafantes. Mas onde realmente deve ter começado essa doidice? No cinto de Joe Jackson que lhe marcava o rabo? Em algum conselho mais enfático de Berry Gordy e seu imediato Smokey Robinson? No toco de pau de Joe Jackson que lhe sangrava o focinho? Quem souber a exata resposta que dê quatro piruetas e depois repete bem baixinho, com as mãos juntas, pra papai do céu: o-autor-da-resenha-tá-se-lixando-para-o-que-eu-sei.

É muita pretensão tentar entender alguem que se julgava capaz de usar um criminoso maiô dourado. Mas não é forçoso situar ‘Ben’ como fator decisivo para o desesperado senso de autosuperação desencadeada pelo moonwalker. A razão é simples: a obra é a seqüência razoável de um trabalho excepcional. Ou seja: é um erro. Um fracasso. Mesmo enquadrado na mesma fórmula de ‘Got to be There’ - e gravado sob a mesmíssima pressão e ambiente de esquizofrenia comercial -, ‘Ben’ chega arfando onde seu anterior ultrapassou acenando para a torcida. Nem mesmo as duas ou três canções acima da média que atravessam o repertório conseguem tapear o provável ambiente de pressa e preguiça que marcou sua concepção - atributos que também permearam o disco de estréia, mas que foram devidamente jogados para baixo do tapete por um repertório quase irretocável.

DIRETO DO ESGOTO

Que se admita que o fracasso relativo de ‘Ben’ não chega a eclipsar totalmente seu valor absoluto. Trata-se ainda de obra rarefeita de um artista peculiar, sublinhada por grande arrojo instrumental e um punhado de interpretações inalcançáveis. Exatamente os pontos que fizeram de ‘Got to be There’ o álbum definitivo do amiguinho de Macaulay Culkin. O problema é que já é preciso pular uma faixa para que ‘Ben’ comece a fazer sentido como uma obra razoavelmente aceitável. Porque a canção de abertura que dá nome à obra, senhores, é uma ratoeirada no saco.

Não interessa se a letra traça uma ode à amizade. Nem que o tal do Ben seja um rato. Nem que o tal do Ben seja um rato assassino, fascistóide, aliado de Hugo Chavez e persona non grata na redação da Veja. O que interessa é que a faixa é um exercício de melação, de lirismo harmônico inócuo, e, muito provavelmente, transmite leptospirose auditiva. Demasiadamente séria, acadêmica e sem graça, ‘Ben’ figura sem muito estardalhaço entre as piores canções já oferecidas para Michael Jackson.

É por isso que as presenças de ‘Greatest Show On Earth’e ‘People Make The World Go Round’ na seqüência podem ser sentidas como prazerosas brisas após esse intróito voltado para o esgoto. A primeira, furiosa, épica e festiva, é uma peça feita para titãs das apresentações ao vivo - com mais de 14 anos, naturalmente - que o guri masca sem dificuldade, contribuindo com as excelentes construções da canção. A segunda é outra pecinha explicitamente mais elaborada do que uma criança poderia entender, conduzida por uma linha vocal costurada em cima de tempos instáveis. Mas é claro que tudo isso é nada para o moleque, que engole a partitura e interpreta enquanto faz malabares, sem afetação ou esforço.

FOI MAL, NÃO DEU TEMPO

Há pouca coisa por aí mais perigosa do que realizar a reinterpretação de uma canção imortal. ‘My Girl’ de Smokey Robinson, por exemplo, é uma canção imortal. E a degustação de um belo egg’s estilete com molho de gilete parece ser tarefa bem menos ingrata do que superar a versão oficial que os desgraçados do The Tempations fizeram dela. Mas alguem achou que não. E enfiou a canção no meio do repertório desta obra. É verdade que, diante de demanda tão temerária, ‘little MJ’ não faz feio. Mas há um excesso de notas, de apêndices, de floreamento e de sofisticação que faz com que a canção caia na mesma vala comum de todas as versões mal sucedidas: a vala das roupagens que apenas induzem o audiente a querer voltar ao conforto que as originais transmitem.

Tirando ‘Everybody’s Somebody’s Fool’, um soul clássico em cada poro, as demais canções que constituem ‘Ben’ nunca ultrapassam o mediano. A circular ‘We’ve Got a Good Thing Going’, um dos equívocos da trupe de Berry Gordy, foi provavelmente metida de qualquer jeito na bolachinha. ‘What Goes Around Come Around’, um pouco superior, se sustenta sobre dois acordes com tanta insistência que acaba por ser longa demais para seus 3 minutos e meio.

Já a tal da ‘Shoo Bee Doo’ é tão anêmica e empacada que ofende a elasticidade interpretativa do guri. Mas o troféu ‘Jiló de Verdade’ vai para a repetição sem critério da mimosa ‘In Our Small Way’, uma das faixas de peso de ‘Got to be There’. Trata-se de um belo ‘não cumprimos o prazo’ riscado a piche na testa de Berry Gordy. Ou uma forma inovadora - e nada sutil - de ‘repetir as fórmulas’ do excelente disco anterior.

Mas se há algo que essa obra herdou diretamente do petardo que a antecedeu foi a preocupação com um fechamento apoteótico. Com seus desenhos clássicos de cordas e expressivas notas longas nos pontos culminantes do refrão, ‘You can cry on my Shoulder’ é uma das melhores baladas épicas do repertório do moleque. Os improvisos vocais dos últimos segundos da canção podem até passar despercebidos a alguns, mas são a coroação de um virtuose absoluto. É muito difícil não esperar que um pivete que conduz a faixa da forma como o faz não vá ser notável mais tarde.

Dilacerado por um desespero elevado ao quadrado – ocasionado tanto pela necessidade de lançar mais material da mina de ouro mirim quanto do medo de perdê-lo para as deformações vocais da puberdade -, ‘Ben’ só consegue sobreviver enquanto confirmação da excelência de ‘Got to be There’. Primeiro, porque tentou – como deveria tentar mesmo – segui-lo. Segundo, porque ficou abaixo dele. Terceiro, porque legou à posteridade uma das canções mais purgantes dos anos 70. E quarto, porque a identifica como carro-chefe e como título. Mas espere aí. Isso pode ser até uma contribuição positiva. Pois os mais instruídos, sabendo da presença da ode ao rato bolivariano, não sustentarão grandes expectativas. E todos saberão que o álbum não traz ‘ben’ o que tinha que estar lá.

Veja tambem:

Got to be There
ESPECIAL MICHAEL JACKSON - INTRODUÇÃO