19 maio 2011

DEZ MELHORES DISCOS DO BRASIL DE 2010 - PARTE II



"Djavan é o seu c*. Meu nome é Jeff Goldblum"

 ENTREVISTA PARA A REVISTA DIFAMAÇÕES – SEGUNDA PARTE

Por Django Santana

Veja só que intrigante...
Meu Deus não me diga. Não me diga que  o Teatro Mágico vai começar a fazer cover do Dominó.

Sua lista, ‘Valesca’. Até agora, só cantoras.
Antipático, isso, não acha?

...por que seria?
Porque apesar de estarem entre os dez mais, elas não têm nada de extraordinário. É forçado dizer que ‘todas-são-iguais-e-querem-parecer-a-Marisa-Monte’. Algumas querem parecer a Marisa Monte montada em um jumento no meio de um picadeiro. Outras querem parecer a Marisa Monte imitando a Clara Nunes. Outras querem parecer a Clara Nunes imitando a Pitty. A Tulipa Ruiz, por exemplo, é muito diversa da Silvia Machete. A Silvia Machete está há alguns quilômetros da Gisele de Santi. E a Gisele de Santi não tem porra nenhuma a ver com Vanessa da Mata. Há nuances aqui ou ali. Mas há uma semelhança fundamental: tudo é morno, sem força. As produções carregam um compromisso com a irreverência e com citações que já está irritando. Precisamos de mais Gladys Knight, não de mais Monica Salmaso. Precisamos de mais Lady Gaga e Robyn, não de mais Karina Buhr.  O cancioneiro nacional está passando por uma ‘kassinização’, e quem está mais sofrendo com isso são as intérpretes.

Por que só citou cantoras americanas? Ninguém aqui serve? Ninguém presta? Tudo está sempre uma bosta pra você?
Bosta é a Difamações. Tudo o que citei alcança, no máximo, o epíteto de ‘merdinha’. Posso citar a Daniela Mercury, se quiser, que é uma intérprete sensacional. A Ana Carolina de vez em quando acerta. A própria Gisele de Santi mesmo quase acertou na mosca, mas entregou seu disco de estreia no grito, com peças muito enjoadas. Quando cito Gladys Night, lembro da necessidade do épico, do grandioso, do espetacular em discos mais feminis. Quando cito Lady Gaga e Robyn, lembro da necessidade de transformar ou maquiar velhíssimas fórmulas com novidades arrebatadoras. Não estou vendo ninguém fazer nada além do que o Kassin pediu. A coisa anda tão xumbrega que a intérprete feminina mais inclinada à grandiosidade que temos é o Ney Matogrosso.

E Ivete Sangalo cantando Roberto Carlos?
É o Holocausto revisitado. Fukushima em Angra dos Reis.

Quem é Roberto Carlos pra você?
Um peralta. Um organismo curioso.

‘Why’?
‘Because’ não sabemos se ele é doidamente estúpido ou escandalosamente sagaz. Do início da carreira até os anos 80, acertou em praticamente tudo. Comercialmente e esteticamente. Depois disso, quis virar o Waldick Soriano. Um pouco mais tarde, quis virar o padre Zezinho. Hoje, acho que ele quer ser a Irmã Dulce. Está lá com o cóccix abarrotado de notas de 100. Se quiser, pode ser o Executivo, o Legislativo e o Judiciário de Cachoeira do Itapemirim que ninguém vai dar um pio. Mas conheço muita gente que iria vestida de Mark Chapman a uma convenção de fãs dos Beatles só em reação a mais uma execução inédita de ‘Nossa Senhora’.

Tá. E em quinto, boneca? Algum da Maria Rita?
Vai soar irônico e antipático, mas a partir daqui não tem mais cantoras. E quem leva o cheque de 100 reais é o The Israeli Choro Ensemble, do Chorolê. 


Nunca ouvi falar nessa merda.
E vai continuar sem ouvir. Se você quiser chamar a atenção de alguém, não monte grupo de choro. É tudo muito igual, as peças não mudam, os instrumentos não mudam, a cara de acadêmicos de classe média alta com ânimo antropológico não muda. A não ser que você queira chamar atenção por estar fazendo merda. Esse grupelho aí tenta vender um diferencial, que é o de enfiar esboços de orientalismo em algumas peças. Metade dos caras veio de Israel. Só que essa mistura só acontece em duas faixas: ‘Pra lá de Bagdá’ e ‘Shri Hatembel’. A primeira, por sinal, é excelente. As demais são muito bem executadas, e uma delas, ‘5 de agosto’, é uma das peças mais belas do estilo. Parece coisa do Godofredo Guedes. Só essas duas valem o disquinho. O resto se encontra em qualquer um dos zilhares discos de choro que saem todos os dias de nossas vidas.

Prossigamos. Em quarto?
‘Ao Vento’, de Pedro Tagliani.


Quem, meu filho?
Gal Costa.

Repete. Nunca ouvi falar na vida em tamanho embuste ou seja lá o que for isso.
O Pedro Tagliani é da estirpe do Guinga, e ‘Ao Vento’ é todo instrumental.  Seria mais um de milhares de disquinhos instrumentais para restaurante lançados às toneladas diariamente com fundos de patrocínio. A diferença é que esse sujeito, quando compõe bem, decide investir nos arranjos e entrega peças comoventes, pouco ignoráveis. Até você pararia de almoçar pra escutar com mais atenção. Quando compõe estudos, ou seja, pra si mesmo, destrói o violão. No fundo, no fundo, só trouxe esse disco pra lista por causa da peça ‘Lá vem ela’, que é inacreditável.  Muitos virtuoses com cara de bunda irão nascer e morrer 412 vezes e não farão uma peça como essa.

Que trágico. Em terceiro?
O disco de um sujeito que sofre de um estranho fenômeno de subestima: DNA, do Jorge Vercilo.
 

Puta merda, o Djavanzinho? Não esperava isso de você. Isso é opinião de cantor de barzinho. Surdo, de preferência.
Quem diz que o Vercilo é cópia do Djavan está pensando com a cabeça. Só que não é nem com a de cima, nem com a do meio. É com a cabeça do dedão do pé. Se alguém quiser demonstrar que realmente não conhece nada da discografia dos dois, é só soltar isso aí: ai, o Vercilo chupa o Djavan. Então toma no cu. Isso é preguiça. Preguiça de pensar além de uma opiniãozinha meia boca surgida lá no começo da carreira do Vercilo. Um negócio que foi crescendo, crescendo, crescendo até virar um corolário pétreo, uma certeza divina com direito a versículo, um exercício entediante de senso comum. Já ouvi minha vó dizer que o Vercilo é cópia do Djavan. E ela só escuta padre Zezinho. Já ouvi o pedreiro que trabalhou na casa da minha mãe dizer que o Vercilo é cópia do Djavan. E ele só escutava a voz da minha mãe dizendo ‘termine essa porra’.

Então você é o ‘diferentão’ da turma, o ‘iluminado’?
Sou o cara que escutou os discos. Dá pra dizer que a Nairê copia o Chiclete com Banana. Dá pra dizer que a Claudia Leitte quer ser a Ivete. Dá pra dizer que o Egberto Gismonti quis ou quer ser o Tom Jobim. Dá pra dizer que as bandinhas de pagode romântico ou samba soul se imitam desesperadamente. Mas não dá pra dizer que o mesmo acontece entre o Vercilo e o Djavan. Não baseando-se no trabalho autoral de um e de outro. Vercilo não tem a malícia do Djavan. Não tem a voz do Djavan. Não tem o cabelo do Djavan. Não tem a filha linda do Djavan. Não tem a sofisticação do Djavan. E mesmo do jeitinho dele, mais aguado, é bom pra caralho. E lançou um disco até muito superior à proposta do ‘Ária’, uma coleção meio xumbrega de versões que o alagoano lançou ano passado.

Nossa, esse ‘DNA’ deve ser um discão (bocejos).
A Difamações é que é ótima. Você é que é ótimo. O máximo que ‘DNA’ consegue é ser é melhor que Nairê.

Então qual é a graça dele?
Em um primeiro plano, mostra que Vercilo já transita com segurança por várias colorações, várias estéticas. Não há nada ali soando como uma primeira incursão, como sofisticalismo vazio. Segundo, mostra, de novo, que o cara sabe compor. Inclusive quando invoca o mestre aqui ou ali. O que existe de Djavan em ‘Cor de Mar’ e ‘Ventos Elísios’, por exemplo, não soa como uma cópia safada, mas como saudável influência. E se alguém insistir que é cópia, que agradeça, porque imitar Djavan tentando fazer outra canção não é pra qualquer Zé Ruela. E seria muito melhor pro Djavan fazer algo como ‘Cor de Mar’ do que papagaiar Gilberto Gil em um disco de covers enquanto está fantasiado de Chris Brown na capa.

Não aguento mais falar em Vercilo. Passemos ao segundo colocado.
O segundo fica com a obra de um sujeito que considero um grande pé no rabo, mas que acabou me surpreendendo terrivelmente. ‘Sem Destino’, de Luiz Tatit.

 

Ô escolhazinha acadêmica. Listinha de merda. 
Sabe por que é acadêmica? Porque os discos do Tatit têm um apuro lírico que irrita. É a famosa assepsia da escola paulista. Mas aqui no ‘Sem Destino’, não. Claro que estão lá as letras imensas, impossíveis de decorar, cheias de figuras de linguagem, com aqueles penduricalhos de doutorando em figurativismos, de rato de teorias literárias. Mas o que se faz maior mesmo é o que está no background dessa aula porre de Saussurre. E o que está no background é um trabalho melódico e harmônico muito, mas muito acima da média. Não é um disco bom apenas para um professor de português historicamente mais preocupado em fazer letras ‘didáticas’. É um excelente disco comparado com qualquer coisa.

E quem leva a melancia de ouro? Quem é o abençoado que tocou mais fundo seu horrível coração?
Curioso que nem me sinto tão péssimo quanto achava que me sentiria em citá-lo. O autor do disco mais fodão de 2010, pasmem, foi a porra do Carlinhos Brown.

Não, cara, repete isso.
Carlinhos Brown, ‘Diminuto’.
 

Quem escolhe Carlinhos Brown pra listas de nada? Só se for pra lista dos peitorais mais peludos da música nacional. Senhores, desconsiderem. O senhor crítico aqui é um fanfarrão. Está é de brincadeira.
Desconheço totalmente a discografia desse sujeito. Pra mim, ele era aquele gorila gritando ‘a namorada’ pra Sandra Bullock enquanto usava um cocar de plástico. Ou ainda o merdinha agraciado com uma chuva de garrafinhas de água mineral em pleno Rock in Rio. Ou seja, não sei quem é Carlinhos Brown. E mesmo assim, esse disquinho se mostrou absolutamente tocante. É uma obra de estudos de choro e antiguidades meio rococó, límpida, CDF, lenta, até antiquada, mas com o melhor repertório possível pra quem se mete a fazer uma coisa dessas. Não é extraordinária. Assim, aliás, como nenhuma outra aqui é, pois como já cansei de ressaltar, a criação nacional fervilha, mas ainda não decidiu pra onde vai. ‘Diminuto’ é um disco de estudo. É um disco de um sujeito que quer mostrar que sabe fazer outras coisas. E sabe mesmo. Uma obra que possui peças como ‘Veleiros Negros’, ‘Centro da Saudade’, ‘Você merece samba’ e ‘Verdade, uma ilusão’, nas versões com as quais foram apresentadas, não pode ser ignorada por quem tem pelo menos um ouvido saudável. ‘Diminuto’ é mais do que um arregaço. É a redenção de Carlinhos Brown de qualquer lixo ou nojeira que ele possa ter feito no passado. Não que eu saiba.

Meu Deus, chega. É um alívio encerrar aqui esta entrevista, esse verdadeiro show de pataquadas que foi essa lista e me livrar de uma vez por todas do sr, Igor Matheus.
Será sempre um prazer devolver a Difamações e todos os seus repórteres ao lugar de onde eles nunca deveriam ter evadido: à sarjeta.

Sempre simpático. Algum recado final?
O pé.

Que pé?
O seu. Voltou a se depositar em cima do centro. E acho que ele não foi parar lá por si mesmo. Tire essa merda daí.