28 agosto 2010

Entrevista para a revista eletrônica E-Música, do Portal Infonet (ÍNTEGRA)



 Leia aqui a entrevista na revista (páginas 11 e 12)

INFONET: Faça uma breve introdução sobre você.

Igor Matheus:
Jornalista formado pela Universidade Federal de Sergipe. 26 anos. Palmeirense não praticante. Mora sozinho. Classificado por duas vezes para o prêmio Banese de Literatura. Até hoje alimenta o objetivo de lançar um livrinho de contos. Participante de uma edição do Sescanção (2004). Tecladista mediano e violonista sem nenhuma técnica. Compositor sem letrista e sem gravações. Atualmente repórter da Secretaria de Estado da Comunicação do Governo de Sergipe.

INFONET: Muitas pessoas acham que você é uma mistura de louco e idiota. Onde elas acertam e onde elas erram?

IM:

Tanta gente assim acha isso? Se eu soubesse que tinha tantos amigos atualizava mais o blog.

INFONET: Por que dá a cara pra bater assim tão descaradamente?

IM:
Louco, idiota, descarado... essa entrevista está tomando um rumo melhor do que imaginei (risos)... Mas assumo esse sadismo em mim, porque desde o início sabia que ia levar muita cusparada. Cutuquei algumas panelinhas e desdenhei alguns cânones por aí, mas nunca estive empenhado em nenhuma campanha difamatória. Meu único compromisso era me reconhecer nos textos que escrevia. Esse papinho de ‘inimigo número um da cultura’, de ‘destruidor da música sergipana’ é uma merda, um tédio. Desafio qualquer desocupado a encontrar a expressão ‘música sergipana’ em qualquer texto que fiz. Por que o cara não vai encontrar? Porque nem reconheço esse tipo de classificação. Logo, eu não abordava uma categoria. Abordava discos. Um a um. Separadamente.

INFONET: Como foi a sua estreia na crítica musical sergipana? 

IM:
Comecei em um site chamado ‘Sergipe In Foco’, lá no segundo período de jornalismo na UFS, era paleozóica. Era uma iniciativa da própria turma, e como eu já me dava bem com críticas de cinema, resolvi me arriscar a resenhar uns discos daqui. Estreei com dois textos que acabaram sendo os únicos da minha participação: um para o ‘Viagem Cigana’ do Cataluzes, que é uma obra até interessante, e outro para o ‘Das Águas Barrentas’, de Kléber Melo, cujo CD nem sei onde está mais e nem quero saber.

INFONET: Você começou no Cinform ou com o blog (http://nabocanao.blogspot.com/)? 

IM:
O blog veio antes. Talvez um pouco depois das minhas contribuições pra Folha da Praia. Daí mostrei a página pro meu editor na época do caderno Líder, Guga Oliveira, que achou graça e mostrou pro Jozailto Lima. E foi disso aí para as ameaças de surra (risos).

INFONET: Por que saiu do Cinform? Durou quanto tempo seu espaço na página de cultura?

IM: 
Saí do Cinform porque não tinha mais tempo pra conciliar a loucura das críticas com a insanidade da monografia. E assim que acabei ela e me mandei da universidade, preferi ficar com a Secom do Governo, onde também estagiava. Me divertia muito com as críticas, mas um sujeito recém formado precisa de experiência, dinheiro, mais experiência e música boa pra aguentar esse tranco. Não havia mais espaço pra Kleber Melo e Mingo Santana no meu coração.

INFONET: Você teve um momento áureo, quando todos no estado ou te amavam e admiravam ou queriam te matar. Isso passou ou até hoje você é atingido pelo que escreve (u)? Agressão já rolou o povo fica na promessa?

IM:
É... já ligaram pra senhora minha mãe pra dizer que o nenê dela iria voltar roxo pra casa, já fizeram um manifesto com tiragem de 1000 cópias pedindo minha cabeça, já me compararam com o Bareta, de quem eu até gosto. Com todo o respeito às duas ou três pessoas que se preocupavam comigo, eu me divertia a beça com essas coisas... Eram reações que tinham grau 10 na escala Richter do ridículo. Aquela carta do Antônio Carlos do Aracaju, por exemplo, é uma obra prima... Se o cidadão põe ‘Igor Matheus’ no Google, acha logo um blog de uma gatinha fofa onde o maior elogio que consegui foi ‘grande bosta’... Mas o que realmente me chateava era aquele blog da Maria Scombona. Pô... um ano inteiro dedicado a mim sem nenhum linkzinho pro meu humilde blog? 

INFONET: Como você virou crítico? Qual a formação necessária para ocupar um cargo desse? Qual a sua formação para ser o crítico musical, se é que isso existe?

IM:
Tenho lá minha experienciazinha em cima do palco, dentro do estúdio, como estudante de piano e etc. Mas nada disso interessa muito. O que interessa é que ninguém precisa ser o Julio Medaglia, o Mário de Andrade ou o Ramos Tinhorão pra emitir uma opinião sobre música. Você precisa ser um deles pra fazer artigo científico, artigo de musicologia, de antropologia. Mas quando o negócio é identificar o que é bom ou ruim, qualquer um com no mínimo um ouvido funcionando pode fazê-lo. O que diferencia esse qualquer um de um colunista é a capacidade de defesa de um ponto de vista em um texto. Esse é que é o requisito fundamental para um crítico. E resenhista nunca precisou ser melhor do que artista nenhum para opinar. Ele só precisa ser melhor do que quem não consegue ou não quer opinar.

INFONET: Como acontece a escolha do Cd avaliado? Conte-nos sobre seu processo de trabalho na hora de escrever?

IM:
O disco tinha que ter sido gravado por um sergipano. Ou poderia ser qualquer um do Chico Queiroga. Também tive liberdade total para escolher obras de qualquer época. Muita gente questionou isso como se em Sergipe fosse possível fazer uma ‘crítica de lançamentos’. Mas esse pessoal só estava exercitando um pouco da sua idiotice. Os discos que peguei nunca haviam recebido uma resenha na vida. Veja que eu disse ‘resenha’, não ‘release’ ou ‘tapinha nas costas’. Só isso já me fornecia toda a novidade de que eu precisava.

INFONET: Se arrepende de alguma crítica que fez? Por que?

IM: 
Reescreveria as resenhas que fiz para um disco do Marco Vilane e aquela da Maria Scombona. Não pelas opiniões ou pelas notas, mas pela amarração dos textos. Não estava tão inspirado naquelas semanas não. 

INFONET: Quem, de Sergipe, está no MP3 de Igor Matheus?

IM:
Meu MP3 pifou dia desses com muita coisa de Dave Matthews Band, Gianni Morandi, Domenico Modugno, uma pá de trilhas sonoras de John Barry, Cocteau Twins até o ouvido fazer bico e uns discos de Tom Jobim que estou redescobrindo aí. Até uma semana dessas estava escutando Belo. Numa outra, Lô Borges. Noutra, Metallica. Noutra, Villa Lobos. Mas disco daqui não havia nenhum. Mas algumas coisas da Joésia Ramos, do Doca Furtado, da Snooze e daquele ‘Cor de Laranja’ do Chico Queiroga já ficaram muito tempo dentro dele.

INFONET: Qual o pior CD de um artista sergipano, que ao ouvir pensou: “lixo”?

IM:
Pra ser sintético, direi que prefiro recomendar a coleção remasterizada da Angélica do que qualquer coisa de um cidadão chamado João Moura e de um aborto chamado ‘Psicodélicos e Psicóticos’. Aquele ‘Subito E-feito’, do Deilson Pessoa, é outra coisinha linda com lugar cativo em qualquer lixeira. Toda vez que me bato com alguma coisa dessas aí sinto meu QI regredir. E olhe que ele já não é essas coisas... (risos)

INFONET: Por que a nossa música não consegue fincar raízes no Brasil? Por que sempre ficamos nas beiradas da coisa toda?

IM:
Isso é mentira. A Calcinha Preta aconteceu. Pode até ser uma empresa de entretenimento sem pretensões ‘estéticas’, mas quem pensa nesse forró contemporâneo lá fora, pensa na Calcinha Preta. E pra desespero desses cupins de academia que idolatram essa ‘nova MPB’, isso é excelente, pois finalmente agrega profissionalismo ao que acontece por aqui. Agora, em relação aos ‘paladinos da sergipanidade’, aí não sei não, amigo. E quem disser que sabe está mentindo. Falta de estudo, de dinheiro, de insistência, de um cunhado numa gravadora, de uma noite com um produtor nacional? Sei lá. Cada um aí que reflita e resolva suas limitações. O que sei é que, se não existe fórmula para o sucesso artístico, também não existe para o fracasso. E ponto final.

(P.S.: Meus agradecimentos ao jornalista Jaime Neto pela entrevista e por ter sabiamente evitado publicar as fotos ridículas que enviei) 

16 agosto 2010

TOQUE CINCO - Trilhas Sonoras necessárias

 John Barry fantasiado de Bilbo Bolseiro dando unfollow no John Williams.

Trilha sonora não é música erudita. É melhor. Porque trilhas sonoras são construções para dois sentidos. Porque muitos dos que apreciam o erudito hoje precisam elevá-lo à condição de trilha sonora para conferir sentido à ‘proposta absoluta’ daquele - e o apreciam como se estivessem visualizando algo. E porque os atuais compositores de trilha sonora são muito mais hábeis do que os atuais compositores eruditos. ‘Em que técnica’, alguém perguntaria. ‘Na de regência ou de composição? No contraponto ou na timbrística? Na harmonia ou na melodia? Na orquestração ou na poética?’ Em nada disso, Nhonho. A verdadeira habilidade do ‘trilheiro’ está na arte da mentira. O bom compositor de trilhas é aquele que precisa jogar o caô para o diretor do filme acerca da exclusividade de sua obra. E, assim, pegar carona na película para imortalizar temas que podem ser, no fim das contas, a trilha sonora de qualquer coisa. 

 Dança com Lobos (John Barry) 1990



É simplesmente inacreditável que John Barry continue mais conhecido pelas trilhas dos James Bond de Sean Connery do que pelo que fez depois. Isso deve ser coisa do fisco americano, já que os filmes de Bond arrecadavam mais do que Gana e Angola acumulam em dívida externa e transformavam a equipe de produção em potenciais compradores de ilhotas e multinacionais. Mas se foi com seu teminha de espionagem para big bands (meio seu na verdade, já que Monty Norman foi o pai biológico do fio melódico) que Barry encheu a barriga, foi com seus temões extra-românticos de ‘Dança com Lobos’ que o cidadão inflou ainda mais sua reputação como compositor– e seu armário de estatuetas. Um saldo razoavelmente previsível quando decorre da mais bela trilha épica do cinema.

Não é possível alguém criar coisas como os temas de John Dunbar e do Lobo ‘Duas Meias’ e conseguir ser, simultaneamente, uma pessoa normal. A incrível simplicidade e familiaridade do ‘Love Theme’, então, remete a algo que poderia ter sido feito há várias eras, mas que só em 1990 foi concretizado por alguem capaz. E ‘Journey To The Buffalo Killing Ground’, variação enegrecida do tema do protagonista, é a aula de melancolia que todos os aspirantes a John Williams deveriam aprender a venerar.

Se Kevin Costner é um imbecil e meio, começou a sê-lo depois da realização de ‘Dança com Lobos’ ou retomou alguma tradição anterior. Durante as filmagens da película é que isso não pode ter sido possível, pois ninguém consegue extrair beleza maiúscula de uma história tão ingênua sendo um bocó. Mesmo assim, o filme é apenas metade seu. A outra metade é mesmo de John Barry e do mais afinado naipe de cordas da história do cinema. São suas peças que comentam e evocam a imensidão das paisagens, a graça dos instantes românticos e as tensões. É através de sua versão da história que o filme se afasta milhas do risco de ser um mero bangue bangue de índios para se tornar um western digno de suas delirantes três horas.

1492 – A Conquista do Paraíso (Vangelis) 1992

 
  
Vangelis é o que se pode chamar de ‘artista de coletânea’. Porque só é possível agüentá-lo em compilações. Seus discos são sempre uma reunião de idéias satélite que giram doidamente em torno de alguma idéia-mãe que ele considerou ‘massinha’. Em português corrente, suas obras trazem uma ou duas pecinhas aturáveis que carregam no colo ou suas próprias versões pioradas ou coisinhas-de-jesus que alcançam a façanha de ser ruins de forma autônoma. Mas havia alguma coisa na cerveja quando Ridley Scott o chamou para compor a trilha de ‘1492’, - o grande trunfo do cineasta para fazer com que alguma coisa no seu filmeco desse certo e minguasse a campanha de Clint Eastwood rumo ao Oscar daquele ano.

O problema é que Clint Eastwood levou vários canecos. E ‘1492’, o filmeco, não é bem uma merda: é uma merda e meia. É mal escrito, caricatural e tem Gerard Depardieu perdendo mais uma oportunidade de desistir da carreira pra ganhar dinheiro com o tamanho de seu nariz. Mas a trilha de Vangelis é, definitivamente, a obra prima que a película jamais conseguiria ser. É colossal, alienígena e visceral de tal forma que traduz o que foi aquela expedição suicida muito melhor do que o próprio roteiro. E não se trata daquele tipo de trilha do jeitinho que papai John Williams ensinou. Há corais imensos de traço gregoriano convivendo com teclados macios. Sopros exóticos ladeando pianos crivados de efeitos. Violões de flamenco, cravos e vocalises árabes harmonicamente costurados com solos sintetizados e backgrounds artificiais.

A peça emblemática dessa mistureba é ‘Moxica and Horse’ . Nos seus dez primeiros segundos, tudo soa como se o filme fosse ‘Aliens 3’. Até que um violão e uma percussão seca emprestam rusticidade a tudo. E, lá pelas tantas, o canto mourisco confere uma impressionante dramaticidade ao conjunto. Na segunda metade da faixa, Vangelis passa a sentir aquela falta de suas odes à China, ao Himalaia ou à Antártida e desce a mão num arpegiador sobre uma nota grave, persistente e sintetizada. Ninguém que tenha estudado na escolinha de trilhas ‘Star Wars’ se meteria a fazer uma coisa dessas. Deve ser por isso que essa ‘salada sonora para filme medíocre’ soa, até hoje, como uma grande descoberta.   

Em algum lugar do passado (John Barry) 1981

  
Não satisfeito em contribuir com masterpieces cinematográficas, João Barry ainda arranjava tempo para se especializar na mais digna tarefa de um compositor de trilhas: transformar um filminho mixuruca em um clássico citável em almanaques e enciclopédias. Apreciar ‘Em algum lugar do Passado’ com o mute acionado é apenas constatar que Jane Seymour deveria ser a musa de muitas oficinas em 1980 e que, no figurino de Cristopher Reeve, era notável a ausência de coisas como uma cueca vermelha por cima de um collant azul e uma capa. Quando temas e imagens se somam, entretanto, a experiência é muito diversa. E o que seria apenas a mais romântica descrição de masturbação jamais feita por um roteiro cinematográfico se torna, no fim, uma experiência muito mais surpreendente do que deveria ser.

Parece até que Barry errou a mão ao pensar no background musical da história. Porque a trilha de ‘Em algum lugar do passado’ soa grandiosa demais para o intimismo a que se propõe o enredo. Os temas não aparentam ter sido pensados para um obscuro filme setentista constituído por 2 gramas de ficção científica e 5 quilos de melação. Aparentam ter saído de um filmão de época de pelo menos duas décadas antes. A orquestra é imensa. O romantismo é amplo, exacerbado, sempre a um pé do chão mas ainda sim gracioso. Os momentos obscuros são de uma profundidade que pouquíssimos compositores conseguem alcançar. E os temas são tão marcantes que conseguem rivalizar com a incidência de uma rapsódia de Rachmanninnoff no repertório, aquela que fez o favor de apenas eternizar a peça e se situar, assim, entre as mais emblemáticas inserções eruditas em uma trilha de cinema.

Depois desse trabalho, John Barry poderia morrer dentro de qualquer um de seus Rolls Royce adquiridos à vista. Mas a experiência de conceber trilhas imortais parece lhe ter sido divertida.  E virou um vício seu ao longo de todos os anos 80.

O Poderoso Chefão Parte II (Nino Rota/Carmine Coppola) 1974


Enquete da semana: alguém com o segundo grau completo (mentalmente) conseguirá identificar um filme decente e trabalhador com uma trilha sonora de merda? Enquanto exemplos não são apresentados, tem-se aqui nada mais do que a maior barbada dentre as escolhas feitas para esta lista amaldiçoada: a trilha de um dos dois ou três melhores filmes de todos os tempos. Se o Poderoso Chefão II é a versão ‘tunada’ de sua primeira parte, o score também é. Se o Poderoso Chefão II é épico, imenso, elegante, multifacetado, possui teto solar, ar-condicionado e aparelhos de DVD na cabeceira dos bancos, seu score não é diferente. Se o Poderoso Chefão II se propõe a retratar duas histórias paralelas, sua trilha assume o mesmo compromisso. Se o Poderoso Chefão II se posiciona como uma realização histórica e referencial, sua trilha ‘trilha’ a mesma ruela.

O aprofundamento estético e estrutural das peças do ‘II’ em relação às do primeiro filme é humilhante. E não se trata apenas dos mesmos temas da primeira película com orquestras maiores. São os mesmos temas da primeira película com orquestras maiores, retrabalhados com mais qualidade, com reforço de temas ainda mais impressionantes e ainda mais foco na construção de atmosferas de ostentação, conspiração e saudosismo pela lontana Sicillia.

É possível medir o coeficiente de qualidade de uma trilha sonora pelas suas peças extremas: se o ‘Ouverture’ e o ‘End Credits’ são as grandes pérolas da compilação (algo que muito dificilmente não funciona no próprio filme), já se tem uma boa trilha. Em ‘O Poderoso Chefão II’, ambas não permitem que se pense em outra coisa para os lugares onde elas estão: são faixas que definem a majestade da obra inteira. E ainda guardam um miolo que não se ouvirá nem no mais inspirado episódio da Família Soprano. 

Drácula de Bram Stoker (Wojciech Kilar) 1992


Muitos se lembram do Dracula de Coppola apenas como cenário da mais memorável das interpretações ridículas que Keanu Reeves legou ao cristianismo. Outros, com os quais me identifico mais, lembram da película como a primeira vez em que Monica Bellucci desceu do Olimpo pra exibir suas curvas sem fim num trabalho anglófono. Mas a qualidade da trilha sonora de ‘Bram Stoker’s Dracula’ é o que consolida o filme como um troço absolutamente deslocado de tudo o que aconteceu na época. Na verdade, não está muito fácil lembrar de algo que tenha seguido a doidice e o delírio estético de Coppola nisso aqui – nem entre as coisas do próprio Coppola.

A culpa é do compositor polonês Wojciech Kilar. E muito embora o nome ‘Wojciech Kilar’ faça força pra significar algo horrível, asqueroso e ofensivo, os ruins do pé mas bons da cabeça fazem muito gosto de que ele não se chame ‘Hans Zimmer’. Porque Hans Zimmer até brinca de musicar o Big Bang com grandes massas de orquestração, mas nunca acompanharia, com sua linguiça com chucrute, a irreverência e a sensualidade da leitura coppoliana de Stoker. Kilar acompanhou. E acabou produzindo uma trilha low tech, a preço de banana mole e utilizando talvez metade do que teria direito em termos de recursos orquestrais. As peças não mostram nenhum compromisso em sublinhar uma história épica - apesar do romantismo e do historicismo que o roteiro empurra no samba-enredo do livro, mais inclinado a um relato de caça - , mas em estabelecer um ambiente de filme B fuleiro. Deu certo. E não deu certo como algo que ficou ‘lindinho’: a trilha-pechincha de ‘Bram Stoker’s Dracula’ é demoníaca e medonha.

A idéia de amadorismo deliberado é justificada pela presença do eterno arruaceiro Coppola por trás de tudo e pela presença de pecinhas mais elaboradas como ‘Love Remembered’, ‘Mina/Dracula’ e ‘Love Eternal’. Na primeira, a multiplicação do naipe de cordas por 3 apontaria para as ambiências classudas de um John Barry, antítese da proposta de Kilar. Nas outras duas, o belíssimo tema da união monstro/mocinha é cercado por um halo de cuidado e mimo que não pactua com o orientalismo cortante do repertório. De resto, o suspense é alimentado por vocais ‘theremínicos’ e propositadamente sonolentos, levadas marciais e temas de ninar tão inocentes quanto a imagem de uma fronha sanguinolenta. Tudo milimetricamente teatral e artesanal – como o cinema que imortalizou o Conde – sem abrir mão de ser, principalmente, demoníaco e medonho. 


PRÓXIMO POST: Cinco discos de Heavy Metal necessários.