29 dezembro 2010

2010: OS DEZ MELHORES DISCOS DE ROCK/POP INTERNACIONAL

Eu tenho uma camisa dessa.

Primeiro: calma, porra. Calma que a cada dia será postada aqui uma listinha sem graça dos 10 mais de alguma coisa de 2010. Bem, na verdade, mais duas: os 10 mais nacionais e os 10 mais do Heavy Metal – dentre petardos do tradicional e do extremo. Por enquanto, vamos de rock/pop internacional. E a importância desse intróito aqui é maior do que parece. Porque as listas que andam infestando a internet, praticamente sem exceções, desfilam seus queridinhos sem o devido estabelecimento do nicho estético em questão. O resultado disso é, pura e simplesmente, um bost of da ala indie da Billboard inglesa.

Ora, consta lá em algum capítulo do Coríntios: quando fizeres um bost of da ala indie da Billboard inglesa, colocarás em cima o título ‘bost of da ala indie da Billboard inglesa’. Mas nunca ‘digas’ que uma porra dessas é uma lista das ‘melhores coisas que aconteceram de Plutão pra cá em 2010’. E não, não me refiro às listas ao estilo do guardian.uk. Eles até que tentam achar um consenso em meio às 827 bandas diferentes e rigorosamente desconhecidas – e que, por alguma razão, sempre seguem no limbo – citadas pelos seus critiqueiros.

Por isso peço desculpas desde já aos fãs de erudito. Ainda não adquiri o costume de acompanhar lançamentos dessa área (mas esse cara aqui, sim). Também peço desculpas aos fãs de forró. Sei que a maioria só sabe entrar no Orkut. E peço desculpas também aos ‘fãs’ da autodeclarada ‘música sergipana’ ou da crescente cena alternativa local. Não ouvi nada de 2010. E não creio que haja tanta coisa assim pra um top 10 anual.

10 - Write About Love (Belle and Sebastian)

  
O velho repeteco de sempre, a mesma banda de sempre, as mesmas baladas de sempre, as mesmas capas ‘fofinhas’ de sempre. Porque o Belle and Sebastian é isso e acabou. Um exercício infinito de si mesmo, uma punheta bem executada, um delírio de autoesgotamento. E enquanto o pavio não chega no fim, esses imbecis permanecem bons. Às vezes, muito bons.
(destaque: ‘Come On Sister’)
   
9 - Marnie Stern (Marnie Stern) 

  
Sim, é possível tolerar a irritantemente enlouquecedora e digna de multa voz de tucano com hepatite de Marnie Stern. Primeiro, porque ela é meio que linda. Segundo, porque a banda que a acompanha nessa obra é um arregaço. Terceiro, porque suas composições são tão agradavelmente curiosas que não dão muito espaço para que se perceba que há alguém guinchando ali na frente. Quarto, porque suas ideias guitarrísticas até que fazem acontecer – mesmo que todos morram de medo diante do anúncio de um disco seu instrumental. Quinto, porque ela é meio que linda. Bem, essa já foi.  (destaque: ‘Transparency Is the New Mystery’)

8 - Air Tight’s Revenge (Bilal) 

  
Um sujeito que se chama Bilal não tem o direito de ficar anônimo. Por mais que nos esforcemos para prestar atenção em qualquer outra coisa, ainda é engraçado. Mas nosso amigo, uma espécie de big cock (comentário sem escapatória) do que se chama de verdadeira cena black music americana, entregou esse ano uma obra de tanta personalidade – sua interpretação é tão assustadoramente espontânea como a de um disco ao vivo – que isso vai obrigá-lo a acrescentar um Hard na frente do nome. Um típico papa-Grammy.  (destaque: ‘All Matter’)

7 - Easy Wonderful (Guster) 


O Guster é tudo que dejetos como Keane e The Killers gostariam de ser se conseguissem, esteticamente, ter pelos pubianos. E ‘Easy Wonderful’, mesmo não sendo necessariamente o aprofundamento do formato que eles apresentam há pelo menos uns 10 anos, é uma obra inteiriça e não soa como repeteco. Critiqueiros de salão que se debruçam só sobre letras meio que acusaram a obra de ser um tanto ‘feliz demais’. Só que isso é análise de encarte. Nenhuma letra de aniversário consegue sustentar seu excesso de glicose diante da celebração hesitante que é a sonoridade desses caras. (destaque: ‘Bad Bad World’)

6 - The Suburbs (Arcade Fire) 


Quem tiver alguma dúvida acerca da intransigente exigência desse blog de que os discos comecem de cabeça erguida – dentro dos estilos que propõem –, que dê uma conferida nesse disco. É assim que se faz aberturas. É assim que se induz o público a um estado de perplexidade e curiosidade diante do que vem adiante – mesmo que, lá pelo meio, o caldo dê uma azedada. Isso porque é bom frisar que ‘The Suburbs’ é um disco longo pra caralho, o que dá espaço para uma não ignorável montanha russa qualitativa. Mas no fim, lá está o Arcade Fire onde ele exatamente queria estar quando propôs seu intróito: com a atenção alheia. (destaque: ‘City With No Children’)

5 - Reimagines Gershwin (Brian Wilson)    


O cabelo melhorou, mas a voz de Brian Wilson, com todo aquele charme senil anasalado, não para de piorar. A notícia boa é que de uns anos pra cá ele realmente resolveu empenhar seu INSS na paga de dívidas discográficas – mesmo tendo permanecido como o cérebro por trás de todas as faixas geniais dos Beach Boys até a discutível fase pré-90. E ‘Reimagines Gershwin’ é o tipo de coisa que só ele mesmo, com todo seu currículo e inalcançável sensibilidade, está autorizado a fazer. Na obra, um grande estudo reverencial de uma baleia do cancioneiro americano para outra, Wilson reconstrói cânones do jazz novaiorquino com as matérias primas de sua inimitável estética praiana. É verdade que não chega a ser um Smile – que, por sinal, também não chega a ser um Sunflower, isso por eu estar com muita preguiça de citar o Pet Sounds (ops) –, mas está acima de tanta coisa lançada recentemente que permanecerá uns bons anos em estado de suspensão entre os clássicos da década. O que significa dizer que, depois de 2020, ‘Reimagines Gershwin’ não será obrigatório. Mas até o próximo disco de um Coldplay, sim. (destaque: ‘The Like In I Love You’)

4 - Teen Dream (Beach House)

 

Mesmo com alguns lampejos de Everything But The Girl aqui, de Cocteau Twins acolá e alguma mão mais pesada de Portishead no meio de tudo – o que não é pouco –, o Beach House vai construindo sua casinha com tijolos próprios. E ‘Teen Dream’ é um exercício de inteligência sonora que não surge com muita frequência. A forma como a dupla Victoria Legrand e Alex Scally se completa é assustadora. Ele, o mecânico do background harmônico, opera o instrumental com uma ambiência apenas familiar mas eficiente. Ela, com sua particularíssima voz contralto de Jon Anderson com faringite, desenha linhas vocais sem extravagâncias e ainda encontra tempo para ser espantosamente linda. E tome disco com cara de clássico. (destaque: ‘Zebra’)

3 - Forget (Twin Shadow)


Twin Shadow é apenas a Pessoa Jurídica do cidadão George Lewis Jr, um doidão do Brooklyn chegado nuns penteados inaceitáveis e com a expressividade facial de um tomate. E escutar esse seu disco de estréia é se perguntar, o tempo todo, se esse sujeito está de brincadeira. Primeiro, porque não há muitos meios de imaginar que essa obra não foi gravada em 1986. Segundo, porque aquele senhor à frente dos vocais não é nem um Chris Martin em uma já não mais aguardada redenção estilística nem nenhum frontman britânico extravagante e assexuado. E terceiro porque essa bolachinha, mesmo não atingindo a – mítica mas alcançável – excepcionalidade, é um dos mais inacreditáveis exercícios de new wave oitentista dos últimos anos. Uma curiosa, respeitosa e bem-sucedida reverência a um passado subestimado – e uma cutucada em Desireless para que ‘ela’ (?) largue suas plantinhas e volte a desfilar sua androginia nesses dias tão desesperadamente órfãos de Goonies e DeLoreans.




2 - High Violet (The National) 

  
Divisões estilísticas são sempre controversas e constantemente flertam com o humor pastelão. Mas não dá nem por 27 carcaças de rena pra categorizar isso que o The National fez como indie. É pop opulento, daqueles extremamente bem passados ao óleo, com catupiry e folha de coentro em cima. ‘High Violet’ é tão distante do garagismo desinteressado e da deliberada bagunça das ‘undergroundices’ que soa mais trabalhado que um In Rainbows, por exemplo. E é um trabalho rigorosamente bem sucedido. Tudo é cinzento, invernal, ladeira abaixo e conduzido por vocais que se saem como detentores de metade do peso de chumbo das canções. Com exceção da primeira faixa, qualquer canção poderia figurar à vontade em alguma cabeçudice urbana de Michael Mann.





1 - All Days Are Nights: Songs For Lulu (Rufus Wainwright)

  
Um piano sem manteiga e... mais porra nenhuma.  Rufus Wainwright, aquele sujeito que não consegue sair da corda bamba entre a afetação e sua capacidade de ser um ultra-Elton John, só precisou daquilo lá para conceber uma das mais ricas obras de luto do pop contemporâneo. Diante de tudo o que poderia dar errado em uma escolha tão solitária, sua vitória é total. A harmonia é dolorosa, imensa e não faz concessões ao be-a-bá do repertório popular. Não se sente falta de instrumento nenhum, tamanho o domínio interpretativo do protagonista como pianista (apesar do que ele diz no video abaixo) e vocalista. Seu virtuosismo é contido e apenas sacado para contribuir com as peças, que poderiam ser obras-primas do floreamento e são, no fim das contas, os últimos lieder de que se tem notícia. Em ‘All Days Are Nights’, Wainwright chora a perda de sua mãe e ainda lembra a todos de que o buraco da dor é bem mais embaixo - e que, ainda que ele tenha tentado, não cabe em sete oitavas. Uma obra absolutamente impopular, egocêntrica, excessivamente intimista. E atemporal.





Um lixo:

Love Remains (How To Dress Well): 

 
Não baixem nem loquem nem escutem isso. Nem sob ameaça. Estão avisados. 


Próximo capítulo: DEZ MAIS DO HEAVY METAL EM 2010

13 dezembro 2010

AS 20 MELHORES CANÇÕES DE JOHN LENNON SOLO


A melhor carreira solo de todos os Beatles continua sendo a de George Harrison de Almeida. Mas fora o que Ricardo Starkey andou fazendo nos últimos quarenta anos, não há como ignorar o que os outros besouros entregaram à população. Muito menos o que fez João Lennon Ono Palhares, o teddy boy, o enfezadinho da mamãe, o engraçadinho insolente, enquanto decidia que horrível corte de cabelo usar nos anos 70.

Extraindo-se suas inaceitáveis concessões à sua delirante musa oriental, suas pecinhas feijão com farofa pra encher repertório e uma ou outra excrescência engajadóide, esse sujeito pode andar de cabeça erguida na eternidade como um gênio de seu tempo. E minha vontade de dizer isso a ele – com a cara de pau de quem estivesse dizendo uma grande novidade – anda tão grande que resolvi fazer essa listinha feia. Porque fazer listinhas é a melhor forma de anunciar que se quer morrer cedo.


O problema é que não quero não. Só que não preciso me preocupar. Ando mexendo em temáticas tão exóticas que terei sorte se, movido por qualquer coisa, alguem chegar até a terceira dessas 20 maiores canções que separei da carreira solo de Lennon. Quem conseguir me manda um oi nos comentários. Você ganhará o direito de receber um  olhar de misericórdia.

À lista.

20 – Going Down on Love (Walls and Bridges - 1974)


Mesmo situada no lugar errado – impossível entender porque alguns cristãos quiseram colocá-la na abertura do disco em detrimento de ‘#9 Dream’ –, é o tipo de peça que pode cair 8 vezes na escolha randômica de qualquer aparelho de som sem despertar em ninguém fagulhas de desespero assassino. E a beleza do pequeno intermezzo, que une um micro e econômico arranjo de guitarra, uma cama de metais a la Brian Wilson e um baixo inacreditável, continua difícil de descrever.

19 – Woman is the Nigger of the World (Somewhere in New York City - 1972)

Dos arroubos engajadóides do sujeito, eis uma das melhores consequências. Clara emulação da estética das baladas cinquentistas, é peça harmonicamente simples, mas esteticamente elaborada: de um lado, a visceralidade da letra e da interpretação; do  outro, a atmosfera sombria e comedida da orquestra – pelo menos até o final, quando tudo se une numa gritaria que só Lennon conseguia significar.

18 – I Know (Mind Games - 1973)

Com intro jimmypageana e linha vocal de hino, ‘I Know’ exala a clássico desde o primeiro microssegundo. Mas é mais que isso: é canção muitíssimo bem concebida. O refrão, que assume seu justo papel de ponto alto, é uma bela costura de linhas vocais que atravessam a rua em intervalos de terça e chegam na calçada em quintas.

17 – Just Like (Starting Over) – (Double Fantasy - 1980)

O retorno do Mr. Insolência às paradas era, na verdade, um retorno a 1957. Uma obra-prima da matemática estética, que soma irreverência, pastiche, consciência harmônico-melódica e multiplica a sensação de que a subordinação de Lennon à sua formação musical inicial refletia, antes de qualquer coisa (e muitíssimo ao contrário de sua estagnação), sua incessante busca pelo esgotamento de uma fórmula. Sua teoria da arte cinquentista era... a prática.

16 – Mother (Plastic Ono Band - 1970)

‘Pungência’, aqui, não passa de uma palavrinha empoladinha. ‘Mother’ é o registro de um sujeito que arranca seu cordão umbilical na base da dentada para, depois, tentar colocar uma rolha no buraco que ficou. O saldo sonoro disso é um piano tocado com a sutileza de um gorila puto e um microfone queimado no grito. Não se tem conhecimento de faixa com intensidade semelhante antes disso aqui surgir. Além de expurgo terrível, ‘Mother’ é uma das poucas canções no mundo completamente engolidas pela letra. Ninguém se lembra que ela tem 3 ou 4 acordes em progressões dolorosamente infantis.  E se lembra, não dá a mínima.

15 – One Day (Mind Games – 1973)

Outro exercício passadista, mas com o fio trágico que, de tão próprio, já pode levar a pecha de lennoniano. Mesmo com uma ou outra idéia emprestada da Motown, nada soa como se fosse algo desenhado por Berry Gordy. É Lennon by himself, com sua honestidade vocal e suas sugestões harmônicas que dão a qualquer baixista com noção a chance de ser notado – como acontece aqui. E quem achou que isso foi uma indireta a Paulo McCartney está... como é que dizem hoje em dia?... com probleminha.

14 – Remember (Plastic Ono Band - 1970)

Piano, baixo, bateria e cara de pau. Só. Só com isso o sujeito conseguiu elevar uma faixa aparentemente repetitiva a um dos principais momentos do já destruidor ‘Plastic Ono Band’. A levada, um estudo sobre skiffle, garante a contundência de todo o resto – da harmonia à letra – , ainda que atrapalhada por um refrão pouco inspirado e até mesmo desnecessário – pelo menos diante da força das demais construções. Sobrando na curva ou não, ‘Remember’ ainda é uma humilhante aula de como se pode fazer muito com quase nada.

13 – Nobody Loves You (When You’re Down and Out) – (Walls and Bridges)

Dolorosa e convincente, eis a faixa que deveria ter encerrado o ‘Walls and Bridges’ e relegado o perdigoto ‘Ya Ya’ aos deprimentes Dias dos Pais de Julian Lennon. Também é uma das mais bem produzidas faixas de Lennon. Não por ter sido revestida de naipes de milhares de instrumentos e penduricalhos, mas por ter sido revestida de naipes de milhares de instrumentos e penduricalhos fazendo a coisa certa. Além disso, a composição, concebida durante um hiato na relação com sua bruxa nipônica, é mais um dos infinitos exemplos de quão longe artisticamente pode ir um sujeito estatelado no fundo de um poço de bosta.

12 – Only People (Mind Games - 1973)

Mais uma ciranda comunistóide extremamente funcional.  Ou ainda um libelo de engajamento capaz de arrancar palminhas de ovelhinhas a porcos orwellianos. A culpa é do formato de pop-perfeito-jingle-de-comercial-de-margarina, estrutura que faz com que a pecinha seja repetida em torno de 147.232 vezes sem que alguém note que houve, em algum momento, algo chamado silêncio. Uma das melhores peças de letra contestável que o indivíduo já pariu.

11 – Bless You (Walls and Bridges - 1974)

Escura, pesada e classuda, ‘Bless You’ deve ter dado a McCartney o que pensar. Porque a introdução remete imediatamente ao intróito de sua ‘Band On The Run’, lançada um ano antes. E contrariando os princípios do plágio, seu rival narigudo consegue aqui um efeito absolutamente diferente e surpreendentemente eficaz. Já o background instrumental transmite a impressão de que Marvin Gaye está no estúdio, balançando o pezinho, estalando os dedos e esperando o inglesão largar sua banda.

10 – Hold On (Plastic Ono Band - 1970)

Músico bundão que é músico bundão não consegue sequer ter noção de tempo.  Se entrega uma peça de doze minutos, ela soa como se durasse o dia inteiro. Se entrega uma de doze segundos, soa como um defeito de gravação. Mas em ‘Hold On’, Lennon só precisou de miseráveis 2 minutos para entregar uma de suas realizações mais sensíveis. De impressionante simplicidade e costurada por um timbre de guitarra de cortar corações e pulmões, eis a resposta imediata à primitiva ‘Mother’. É o afago pós-apedrejamento.

9 – Jealous Guy (Imagine - 1971)

Uma das preferidas de Yoko Ono. E de qualquer lista razoável que se debruce sobre as melhores coisas da obra desse sujeito.  Embora focada em algo muito mais pessoal, ‘Jealous Guy’ atinge com seus desenhos harmônicos ligeiramente mais complexos o que ‘Imagine’, sua vizinha de disco, apenas sonha em alcançar.  E é um dos mais altos exemplos do que o diapasão melódico de Lennon, um dos maiores escritores de linhas vocais do séc. XX, era capaz de gerar.

8 – Watching The Wheels (Double Fantasy - 1980)

É absolutamente assustador que um sujeito tenha ficado trancado dentro de casa cuidando da cria por 3 anos, saído e, sem mal ter feito um aquecimento digno, ser capaz de conceber um pop praticamente eterno como ‘Watching The Wheels’. Mesmo não sendo o retrato de uma modernidade vindoura – que se anunciava mais nas discutíveis e algumas inadmissíveis yoko-onices do mesmo disco – e misteriosamente simples – sua progressão inicial é rigorosamente a mesma do eterno repeteco fast food ‘Imagine’, por exemplo – eis uma pecinha que não vai conseguir envelhecer tão cedo. E o baixista que pensou seus fraseados pro refrão também deveria ganhar um busto no Central Park.

7 – Crippled Inside (Imagine - 1971)   

O melhor, mais bem tocado e mais empolgante skiffle que existe. Aqui, Lennon deve ter se realizado profundamente. Porque essa faixa soa como um outro lado do expurgo que ele ainda promovia diante da estética beatle. Não que qualquer coisa que negue e cuspa e rejeite os Beatles precise ser aplaudida como se fosse uma alfinetada no rabo do senso comum – o que não é. Mas não por acaso, eis um irreverente exorcismo artístico em que tudo funciona. Como se não bastasse sua perfeição, a faixa soa tão límpida que aparenta ter sido gravada semana passada.

6 – Beautiful Boy (Double Fantasy - 1980)

De longe, uma pequena extravagância mística. De perto, uma peça em que Lennon definitivamente exagerou no risco. E conseguiu superá-lo. Cada pequena doidice orientalista apenas contribui para tornar a canção mais bela e insuperável com o tempo. Desde que ninguém ouse reproduzi-la.

5 – Mind Games (Mind Games - 1973)

Curiosa, essa daqui. Não tem nada de mais e ainda apresenta estranhíssimos arranjos de piano, como se a intenção fosse criar uma categoria mais esquizofrênica de tremolo ou coisa que o valha. Mesmo assim, é possível colocá-la em eterno repeat sem que seu ultra-simples refrão se perca no próprio nó que cria. ‘Mind Games’ integra aquela categoria tipicamente lennoniana de canções que não têm o direito de ser comuns. Porque são hinos de nascença.





4 – #9 Dream (Walls and Bridges - 1974)

Ninguém consegue escapar da arte de admirar isso aqui antes dos 15 segundos de execução. Por isso ‘#9 Dream’ deveria ter sido maliciosamente posicionada no topo do lado A do ‘Walls and Bridges’. Mesmo assim, ela não é tão fácil quanto aparenta. Ainda que completamente pop, a peça passa por cima da zebra mesmo se comparada a outras coisas do próprio beatle. E nessa coisinha de ser acessível e sofisticada ao mesmo tempo, ela é provavelmente uma das mais simbólicas – no que se refere a sintetizar uma estilística – e melhores faixas do disco mais estranho e interessante de Lennon.





3 – How? (Imagine - 1971)

Uma das mais tocantes letras já escritas com um aparato harmônico-melódico absolutamente correspondente. Não há uma só forma de apreciar ‘How’ questionando sua autenticidade. E isso não diz respeito apenas ao discurso. Toda a sua construção, todo o seu arranjo, todas as suas estruturas são voltadas para o alcance de uma franqueza que passa da voz falha à sofisticação de harmonias descendentes e suspensas. Junto de ‘Crippled Inside’ e ‘Jealous Guy’, ‘How’ é o tipo de coisa que imortaliza o ‘Imagine’ qualitativamente.





2 – Love (Plastic Ono Band - 1970)

Não existem formas satisfatórias de descrever o que essa pecinha é. O que se sabe é que, na hora de decidir quem foi o maior criador de canções de amor da história moderna – algo muito menos interessante de saber do que apreciar pelo menos os 10 melhores–, ela é um dos principais trunfos de Lennon. Além disso, é irretocável. Seus arranjos arroz com feijão – só o piano e o violão se atravessando, mistura nem sempre funcional – refletem a melancolia caseira de algo gravado no fastígio de alguma sensação.  ‘Love’ é o tipo de peça que não pode ser alcançada.





1 – Woman (Double Fantasy - 1980)

Existem letras românticas mais inspiradas que essa. Existem melodias mais complexas que essa. Existem harmonias mais inventivas, arranjos mais inovadores e sonoros, até interpretações vocais mais límpidas. Mas, para sorte de todos, nada disso interessa diante de alguma coisa inalcançável e impronunciável que mantém ‘Woman’ superior a praticamente tudo o que foi feito depois dela. E não são poucos seus atributos particulares. A linha de baixo do hipopótamo Tony Levin, por exemplo, está acima do genial. E toda a estrutura da peça descende de uma linguagem cinquentista que encontra, aqui, sua máxima expressão. Mas a canção ainda é mais que isso. John Lennon conseguiu, em seu último ano de vida, conceber aquilo que deve ter perseguido de alguma forma sua existência inteira: fazer a maior canção de amor do século XX.