03 novembro 2010

Discografias - DEATH



Quem não gosta de metal pesado pode parar de ler por aqui e dar o fora. Post pra frutinha é lá embaixo, onde está minha entrevista. Não vou admitir aqui quem não se incomode de ignorar o que seja o Death. E quem diz que escuta Heavy Metal e não os conhece já está autorizado a ter uma camisa da Pitty. Antes de conhecê-los, eu mesmo me enquadrava nessa categoria. Não que eu gostasse de Pitty - não era pra tanto. À época, minha praia era o cancioneiro mineiro: ‘Arise’, do Sepultura, e ‘The Hangman Tree’, do The Mist. Mas muita coisa ficou sem graça depois que descobri o filho da puta do Chuck Schuldiner (1967 – 2001). Uma dessas coisas foi a vontade de aprender guitarra. Outra foi a camisa do ‘And Justice for All’ – uma obra que admirei e admiro terrivelmente, mas que sempre me exigiu menos.

Mesmo assim, o Death me ajudou a entender que também havia obras-primas no metal extremo. E que elas poderiam, inclusive, se posicionar acima de muita coisa de qualquer gênero. Mas nada é mais assustador do que a solidão – ou a solidez da originalidade - desse projeto. Ora, Schuldiner se foi e a banda acabou há quase dez anos. Praticamente todos os músicos que interessam no meio extremo a citam como influência. Mas, de lá pra cá, só o Cynic finge seguir sua trilha. O que é o mesmo que nada, já que Cynic é ruim pra caralho.

Se você permitiu que sua leitura chegasse até aqui é porque deve ter sangue e algum juízo. E por isso também irá suportar uma breve análise discográfica dessa bandeca, apenas o maior projeto de metal extremo de todos os tempos. 



Scream Bloody Gore (1987) – Tosquinho . Ingenuozinho. Podrinho. Mais audível do que pelo menos 99,77% das estreias de outras bandas de metal extremo – e isso inclui todos os gigantes. Mas ainda assim muito longe de ser algo importante. Na verdade ‘Scream Bloody Gore’ só interessa mesmo como instrumento de afirmação da ala dos fanáticos, aquele grupelho de gênios que costuma venerar as velharias de qualquer banda mais pelo distanciamento que representam da fama do que por qualquer coisa que possa ser levada a sério. Só que o assunto aqui é maturidade e qualidade sonora – nem necessariamente de gravação. E esse disco aí é apenas um retrato da podridão disforme que era o death metal em sua fase embrionária. É claro que aquilo ali era o Death. Olha lá os intervalos de quinta tão característicos no riff introdutório de ‘Zombie Ritual’. Olha lá as estruturas atonais, os solos estrábicos, as mudanças de andamento do nada absoluto em todas as faixas. Mas é isso: a única forma de apreciar uma obra dessas é com a lente da curiosidade. E medir, no fim das contas, o tamanho dos passos que a banda daria até que definitivamente fizesse história. 







Leprosy (1988) – É ligeiramente superior ao anterior. O que não quer dizer porra nenhuma. O que diz alguma coisa é o fato dele ser considerado um clássico absoluto do metal extremo dos anos 80, dando conta do quão tudo era ruim e mal feito na época. ‘Leprosy’ ainda está dentro daquela esteticazinha chulé de peças repletas de riffs sem personalidade, emitidos a esmo e com irritante agudez. O death metal ainda estava sem face. O importante, ainda, era não soar tão melômano quanto o heavy metal clássico e evitar o caos desesperante do punk. No fim de tudo, entretanto, o que se ouvia era apenas uma reunião de estruturas que faziam força pra se integrarem – quando isso acontecia. Notável aqui só é a sutil preocupação de Schuldiner com o posicionamento das linhas vocais. Pra ele, o vocal berrado não era apenas um arroto ulceroso pra justificar uma estética mais nervosinha. Era um instrumento de marcação, com hora pra entrar e sair, com acentuações, com valor. Mas ainda faltava muita coisa. Até aquele momento, o Death só era importante dentro de uma panelinha fechada de projetos muito ruins. Como qualquer coisa que o metal extremo oitentista legou para a humanidade.  






Spiritual Healing (1990) – Melhor registro da fase primária, é mais complexo e elaborado em relação ao Leprosy do que este pro seu antecessor. Os riffs estão ainda mais complexos e rápidos. Os timbres estão mais trabalhados. A ritmia vem mais quebrada, apesar do raciocínio pão com ovo do baterista. Não era nada de extraordinário, mas é certo de que já não havia ninguém no mundo fazendo o que o afetadinho do Schuldiner fazia. E talvez ‘Spiritual Healing’ pudesse ser uma obra ainda melhor se nosso amiguinho tivesse à disposição uma banda a altura de seu próprio crescimento técnico – o que aconteceu no disco seguinte. ‘Altering the future’ é um bom exemplo disso. Sombria e com fraseados impensáveis em qualquer obra anterior do Death, poderia estar no ‘Human’ – se uma criatura das trevas como Sean Reinert tivesse pensado sua bateria, claro. Apesar de ‘Spiritual Healing’ ser um disquinho até interessante, é muita coisa chamá-lo de obra de transição. É mais uma despedida. Para alguns, um adeus à fase ‘true’. Para os que realmente apreciam com os ouvidos, um olá para o estabelecimento do Metal como arte de primeira grandeza. 







Human (1991) – Eis o momento em que o Death para de soar só razoável e passa a se firmar como algo monstruoso e digno de nota. Em relação ao disco anterior, ‘Human’ corresponde a um salto terrível. A bateria de Sean Reinert, então um pivetão de 20 anos, é irreproduzível. Schuldiner, provavelmente ciente do valor da banda que conseguiu recrutar, também inflou assustadoramente sua técnica. Os riffs são os mais complexos da época. Os solos, os mais sofisticados do estilo. A ‘doidiça’ de quebrar as peças em partes não relacionadas é elevada ao último grau. ‘Human’, enfim, foi o disco que mostrou que o death metal só é viável e diferenciado com técnica, muita técnica. Daí ser uma estilística para poucos – escassez válida pra músicos e apreciadores. Nada naquele tempo poderia ser mais medonho do que os intrincados riffs abafados de ‘Secret Face’. Nem mais cortante do que os fraseados de ‘Vacant Planets’. Nem mais desesperado do que ‘Flattening of Emotions’, que, surgindo em fade in no início do disco, anunciava que ninguém iria alcançá-los mais. E não iriam mesmo. 





Individual Thought Patterns (1993) – Mantem o nível técnico do ‘Human’, mas é timidamente inferior em qualidade de gravação e de composições. Mas apenas timidamente, o que significa que, ainda assim, é cavalar. É o primeiro registro com o baterista Gene Hoglan, outro hipopótamo que consolidaria a tradicional presença de drummers ignorantes – aqueles que tornam o cover uma missão insalubre, quando não impraticável - como prerrogativa do Death. Aqui, Schuldiner fica mais animadinho com a linguagem jazzística, o que se reflete nos solos e na permissão dada ao baixista de gravar com alguma-coisa-que-soa-feito-um-fretless. Mesmo menos impressionante do que o anterior, ‘I.T.P’ ainda é obra extremamente original. E ainda se dá ao luxo de trazer belíssimos solos (‘The Philosopher’), coisa rara entre as obrigatórias nojeiras do metal extremo. 







Symbolic (1995) – Eis a bandeira do Death no Everest. O auge de sua estética. Porque Symbolic é um arregaço de 50 minutos. Menos minimalista, mais épico e mais ‘fácil’ (pelo menos pra quem já os conhecia) que o resto da discografia, ainda assim é o trabalho mais atormentado - e bem produzido - da patota de Schuldiner. Hipopoticamente cavalo, terrível, escuro. E genial. O riff da faixa título parece brincadeira. É o tipo de coisa que Kerry King vai passar mais 20 anos tentando fazer. ‘Zero Tolerance’, por sua vez, é um troço jamais recomendado àqueles que só precisam de um empurrãozinho pra sair metralhando pessoas em supermercados e micaretas. Não pela letra; pela força vital (ou mortal) e tormentosa que carrega. O ‘pior’ é que todas as nove peças dessa desgraçadíssima bolacha são assim. O que faz com que esse ‘Symbolic’, muito mais do que o melhor disco do Death, seja um dos mais sólidos registros da eloquência do Heavy Metal de qualquer tempo.  





The Sound Of Perseverance (1999) – Obra mais seca, técnica, matemática e praticamente inalcançável – no bom sentido. Mais complexo que o ‘Symbolic’, ‘The Sound of Perseverance’ foi pensado pra ser uma saideira. Mas pela gravadora do Death. Concentrado no seu excelente projeto paralelo Control Denied, Schuldiner, já lenda absoluta do metal, não queria mais papo com o death metal- até ser intimado a deixar mais alguma coisinha pros mortais. E o resultado dessa solicitação não poderia ser menos absurdo. A abertura ‘Scavenger of Human Sorrow’, cortante, marcial e com riffs acentuadamente atonais, é a síntese de uma violência calculada e contundente que seria proposta em todo resto da obra. A terrível ‘Story to tell’, um dos fastígios dessa linguagem, traz um dos refrões mais impressionantes de todo o metal. ‘Flesh and Power it holds’, uma das mais megalomaníacas peças de Schuldiner, consegue ser épica e violentíssima. E pra variar, grande parte do disco é, em uma palavra, ‘irrealizável’. De novo graças ao time de extraterrestres unidos por Schuldiner, com destaque para o provável andróide Richard Christy – que junto com Pete Sandoval reivindica o posto de baterista mais rápido e ignorante desse lado de cá do sistema solar. Só superado pelo ‘Symbolic’, ‘The Sound of Perseverance’ elevou o idioma do metal extremo. E o fez a um nível tão alto que ninguém tem a menor idéia do que seria o Death se Schuldiner ainda estivesse por aí.



5 comentários:

Anónimo disse...

Você subestima alguns dos melhores álbuns do Death, isso é foda. Você escreve bem, mas isso não é o suficiente.

Anónimo disse...

Com todo respeito, ta tirando muita onda de critico, por isso eu odeio resenhas de internet por que qualquer loco que acha que entende um pouco de música fica falando merda por ae, chamar de meia boca os 3 primeiros GRANDES MARCOS do DEATH METAL é pra fuder, SEPULTURA nos seus primeiros RIFFS chupou DEATH uma barbaridade, mas tudo bem respeito a sua opinião.

Anónimo disse...

Maldita inclusao digital, agora todo mundo que ser critico ou participar e alguma coisa, esse doido escrevendo o que não saber, enquantos outros comentam coisas desnecessarias.

Anónimo disse...

Cara, de boa, eu achei esse post MUITO bom, a crítica a fase inicial do Death pode irritar os fans de Death Metal, mas quem não é fã "hardcore" de Death Metal, e está mais preocupado com a música do que com o estilo em si, vai concordar com as suas avaliações sobre o Death, até porque é inegável o avanço técnico do Death do Spiritual Healing em diante. Gostei muito do texto, engraçado, instrutivo e soube colocar o Death no seu devido patamar, que é entre os grandes não só dentro do Metal, mas dá musica em todos os estilos existentes. Excelente texto, gostaria de ver mais discografias de bandas de Metal.

Anónimo disse...

"mantem o nível técnico do ‘Human’, mas é timidamente inferior em qualidade" - I.t.p. , já tava intragável , depois dessa só parando de ler ,pqp cara é o I.T.P.o marco definitivo da técnica do Death , alem do maniaco Gene Hoglan esta nele , Steve Digiorgio outro mostro no baixo , e nem preciso falar do Andy Larocque ( porque é o maldito andy Larocque , um dos melhores guitarristas do Heavy metal , subestimado pela maioria admito)