27 março 2011

2010: OS DEZ MELHORES DISCOS DO BRASIL (PARTE I)

Clarinha, vai me desculpando pela primeira frase desse texto. 
O atual cancioneiro brasileiro é uma bosta. Um negócio tão enjoado, porre e cara de cu que só foi o cabra aqui prometer uma lista déctupla de coisas mais ou menos audíveis de 2010 que tudo se converteu em um grande hiato flamejante de preguiça e má vontade. A culpa é de Paul McCartney. Porque na tentativa de me recuperar de cada um dos discos nacionais muito ruins que tive de reouvir, me entregava à sua carreira solo. E isso é grave, uma vez que a discografia disso aí enfileirada no chão pavimenta facilmente a futura Aracaju/Brasília.

Gostaria muito que essa barafunda que ganhou na testa o carimbo de ‘muzica brasileira’, essa aí atual, universitária, capenga, revisionista, intelectualóide, deslumbrada, tomasse no epicentro mediano do olho do cu pelos próximos 20 anos. Mas ainda é possível se divertir um pouco com sua miséria. Por isso tratarei de encerrar aqui esse intróito. E partir para um exercício de imbecilidade mais incisivo. Porque a única forma de falar de merda com propriedade é fazendo merda com propriedade.  

ENTREVISTA PARA A REVISTA ‘DIFAMAÇÕES’

Por Django Santana

Bebe?
Não.

Por que não? Crente?
Porque sou um androide do futuro movido a hidrogênio líquido e álcool atrapalha minhas funções mecânicas?

Que idiotice é essa agora?
A Difamações é a pior revista que existe. Quando ligaram pra cá agendando achei que fosse a Veja ou a Rolling Stone.

Você pode ser chato pra caralho, mas não tem peso pra uma Veja ou Rolling Stone.
Por isso aprendi a me contentar com bosta.

Que fofo. E a música brasileira?
Por que não falamos sobre os diversos tipos de ioiô que existem? Conheço uma piada sobre redes sociais.

Não vim aqui pra fazer amizade.
Então já sei que essa merda vai ser uma grande aporrinhação.

Quem ainda fala ‘aporrinhação’ por aí?
O que você quer?

Bem, o pauteiro me disse que você acha essa atual MPB uma merda. E nós da Difamações queremos ver o circo pegar fogo. Queremos artistas de cabeça quente mandando você ir pro inferno em cartas apaixonadas. Afinal, você foi aquele cara que foi ameaçado e tal...
Tá. Tire a pata repleta de coliformes fecais de cima do centro.

...
Bem, não sou daquele tipinho sub-conspiratório que acha que a MPB foi pra puta que pariu e morreu, por exemplo. Acho que ela está apenas em um grande sono de beleza. Estamos vivendo agora algo um pouco parecido, apenas um pouco, com aquilo lá dos anos 40. Ninguém fazia nada de extraordinário e tudo era muito parecido, melancólico, revisionista e metido a classudo. De certa forma, é uma crise, mas nada de apocalíptico. Só não existem hoje mais do que 3 discos produzidos nos últimos 10 anos dignos de ser lembrados nos próximos 10.

E quais seriam esses discos?
Não sei. Mas tem que ter um do João Bosco. João Bosco não sabe lançar disco ruim. Desaprendeu.

E Los Hermanos?

Bons, quase que históricos. Mas ainda superestimados. O valor deles é ter erguido uma bandeira estética com a qual muita gente se identificou e tentou copiar. Não é a fórmula da tubaína de tutti frutti, mas é fodão, tem personalidade. Mas tudo isso tirando aquela postura hesitante e negativista deles com ‘Ana Julia’, que é uma postura asquerosa, podre, uma das coisas mais nojentas e infantis da história recente da arte nacional. Quiçá internacional. Quiçá de Michelangelo pra cá.

São sub-intelectuais, então.
Se tenho um sucesso que encheu meu rabo de dinheiro, mulheres e ainda fez com que George Harrison soubesse que nasci, sou grato a esse sucesso, a esse hit, a esse chiclete. Sem mais, meritíssimo. Não existe papinho de ‘nosso público queria ser instigado nos discos posteriores’, como o Camelo falou pra Leda Nagle. Aliás, que entrevistazinha, aquela. Quase virei um skinhead assistindo aquela merda. Qual o próximo passo de alguém que diz tudo o que ele disse ali? Colocar ‘Guerra e Paz’ em cirílico no encarte? Favor tomarem nos seus cus.

Qual o problema hoje em dia? Só querem saber de copiar? Ninguém inventa nada?
Se eu soubesse, começava a fazer consultoria e cobrava mais caro que o Lula vem cobrando pra falar as besteiras de sempre. Não tem isso de ‘o cenário tá ruim por causa disso e daquilo outro’. É possível fazer esses apontamentos com conjuntura econômica, e olhe lá. Com cenário artístico, não. Talvez só muito depois, com algum distanciamento histórico. Não existem fórmulas prontas pra fracasso nem pra sucesso.

E o que eu tô fazendo aqui então? Crítico não existe justamente pra isso?
Não. Crítico geralmente não serve pra nada. Quando serve, serve pra provocar, criar barraco. Mas fingindo que o barraco é intelectualmente fundamentado. O povo gosta de barraco. Ninguém que vem de uma publicação chamada ‘Difamações’ está autorizado a discordar disso.

Que lindo. Já posso te chamar de Michel Foucalt a partir daqui?
Não, mas te autorizo a me chamar de Valesca Popozuda. Só não me faça responder mais coisa sobre Brasil. Vamos falar de Beatles. Vamos falar do MGMT. Vamos falar da Pink. Vamos falar do próximo disco do Morbid Angel.

O que aconteceu de melhor em 2010?
Tirei umas férias no Rio.

Na música nacional, Foucalt.

Pouquíssima coisa. Eu diria nada, mas soaria muito antipático. Pode cortar esse ‘diria nada’ aí na edição final.

Não tem edição final na Difamações.
Quer dizer que se eu falar ‘glande’ vai sair na cara dura?

Teste.
‘Django, não morda aí’.

Pronto, publicadinho. 
Duvido.

O ‘duvido’ também saiu.
Isso não é entrevista. É fluxo de pensamento. É mais um romance ruim do Chico Buarque.

Falando nele, e aí? Morreu mesmo? Ficou nos anos 70 e 80?
Já deveria ter parado. Mas anda tudo tão ruim ultimamente que ainda é possível dar alguma atenção ao que ele faz. Quer dizer, não sei. O último disco dele é impressionantemente chato.

Dizem até que ele ganhou o último prêmio Jabuti só por continuar tendo belos olhos azuis.
Acredito muito mais nesse argumento do que em qualquer outro. Como escritor, ele é um ótimo comedor de atrizes.

Virou crítico literário agora?
Depende. Você virou o João Gordo?

Ainda não.
E se eu abrir essa mala cheia de correntes e facões?

Não tem mala nenhuma aqui.
Tem uma na minha frente. E ela até fala. Não sei ainda se pensa.

Me fale logo da bosta da lista dos melhores de 2010 antes que eu ponha meu sapato delicadamente na sua boca. Prefere uma regressiva ou progressiva?
Anote aí, Alborguetti: em décimo, Luisa Maita. “Lero-Lero”.

 
Explique-se.
Não esperava nada desse disco. Escutando com pouco interesse, realmente é impossível notar nele algum diferencial. É necessária alguma boa vontade pra notar alguma coisa que destoe de uma Mariana Aydar, de uma Céu, esse povinho. Mas ela tem alguma coisa.

Sim?
Ela é ligeiramente mais sacana e rústica. Canta com desinteresse. À vontade. Sem arrebatamento. E isso funciona terrivelmente em alguns momentos. Não há muita coisa recente mais sensual do que ‘Aí vem ele’ em termos de interpretação, por exemplo. Mesmo a canção sendo fraquinha. Na verdade, a maioria das canções é fraquinha. É ela quem dá uma melhoradinha com sua vozinha de ninfeta. Daí a lição: precisa melhorar o repertório. Se esse for o único disco da carreira dela, será esquecida rapidamente.

Em nono?
Gota Pura, da Clara Sandroni. 

 
Razões?
Gosto da coragem de um disquinho piano e voz. Nem sempre dá certo. Mas quem sabe mexer com a linguagem vai longe. O Rufus Wainwright fez isso ano passado e acabou fazendo história. A Clara, com aquela voz de Nana Caymmi jovem, não vai tão longe. Mas as canções escolhidas são corretinhas, adequadas e agradáveis. Não vai mudar a vida de ninguém, e pode até cansar lá pela décima faixa. Mas é um disco harmonicamente suculento. Dá pra pular disso aí para um disco de pecinhas de Villa Lobos sem grandes saltos. É um disquinho de sarau, só que bom.

E?
Em oitavo não tem jeito. Fico com aquele ‘Quando o canto é reza’, da chatinha da Roberta Sá mesmo. 

 
‘Chatinha’ da Roberta Sá?

É. E é muito ela estar nessa lista aqui, porque é muito difícil gostar dela. Robertinha é uma patricinha raizeira. É tão asséptica e sem graça que dá pra entender perfeitamente porque ela é, hoje, um ícone do ‘samba universitário de raiz’, o samba de partitura, de calourada de faculdade, corretíssimo, afinadíssimo, equalizadíssimo, produzidíssimo e chatíssimo. Só que ela resolveu gravar um disco com o Trio Madeira Brasil. E o Trio Madeira Brasil é de arrombar. O disquinho ficou bem rústico, com canções bem escolhidas. E a vozinha de restaurante dela ficou bem valorizada. Se daqui pra frente ela prometer sempre sair do estúdio com algo assim, prometo tentar prestar atenção.

Todo mundo gosta de Roberta Sá. Você é coprófago?
Não existem regras pra samba, mas uma coisa parece sempre ser reforçada quando surge alguém como ela, limpinha e com currículo de miss formada em Direito e Veterinária: samba é o idioma da malandragem. Muitos podem até balbuciar ele. Mas falar com fluência, só malandro. A mesma coisa acontece com o choro.

Tá. Quem em sétimo?

Vanessa da Mata, ‘Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias’. 


É um daqueles disquinhos produzidos pelo Kassin. E o Kassin não é nenhum Midas, mas é uma figurinha importante. Só acho chato pra caralho esse negócio de flerte com o brega, com o tecno brega, com bostas que sobrevivem no limbo e merecem o limbo, mas que alguém teima em sofisticar. Não vi ninguém ter boas ideias com tecno brega ainda, por exemplo. Mesmo assim, Vanessinha não escorregou não. O disquinho ficou divertido.

Em sexto...
Uma outra escolha chata, mas que não tem jeito: ‘Água’, da Paula Morelenbaum e do João Donato.


 
Por que é uma escolha chata?
Porque é canônica, fácil de ser mal interpretada. Vão me chamar de piolho academicista. João Donato é um decano da Bossa Nova. Paula Morelenbaum é daquelas divas de estúdio, academicíssima. Só que a soma de duas coisas assim costuma dar é errado, ao contrário do que pensam muitos. Mas até que a junção funcionou aqui. O disco é muito bem arranjado, o que salva a falta de força das canções. E o piano de João Donato é o piano de João Donato. ‘Água’ é bom principalmente porque poderia ser um erro desastroso e repetitivo, um exercício rançoso de revisionismo. Mas é só legalzinho nos seus melhores momentos e bem sonolento nos piores. E isso é muito.

Chatinho e já está aqui, em sexto?
Leia a entrevista que você mesmo está fazendo e veja minhas ressalvas. Não tá fácil pra ninguém não, rapá. A MPB vai mal, está uma bosta. E a culpa não é do Restart. 

(... continua)

06 março 2011

ATRASADO, MAS NUNCA EM BRANCO: GEORGE HARRISON NÃO É O TERCEIRO DO PÓDIO

Significa.
Antes de mais nada, uma reparação de um harrisoniano de ouvido aberto: quem conhecia e achincalhava a carreira solo de Paulo McCartney Soares guiando-se apenas pelo inviável ‘McCartney I’ e pelo perebento ‘Tug of War’, como eu, paga a língua terrivelmente quando se aprofunda com seriedade no trabalho do sujeito. Eis então um raríssimo – e porque não único – momento de reconhecimento de um sério erro neste blog perfeito e sem rasuras: McCartney não é o nosso mr. Mais ou Menos na carreira solo. É um criador monstruoso. Erra muito, conhece o piegas pelo lado de baixo e tem um curioso talento para acariciar inacreditáveis porcarias em sua discografia semi-zappiana (fodam-se; pesquisem). Mas suas joias não são o tipo de coisa que alguém irá superar semana que vem. Guiando sozinho, é o melhor de todos os quatro.

Se McCartney é o rei apolíneo da beleza maiúscula e Lennon o sultão dionisíaco das baladas afiadas, nada restaria a Jorge Harrison a não ser o cetro de um bocó ressentido e invejoso; ou a pecha de sequelado que nunca resvalou na pata da ameba situada sobre os ácaros das células epiteliais de seus dois ‘algozes’. Só que essa teoria, difundida entre os admiradores mais carniceiros da maior dupla sertaneja de Liverpool, é ignorante e surda. A carreira solo de Harrison é assustadoramente brilhante. E aparentemente mais influente na carreira dos outros do que as dos outros na dele. Apesar de ter sido provavelmente assombrado pela eterna mágoa  ególatra dos coadjuvantes, o guitarrista solo dos Beatles se encontrou. E empatou com as outras duas baleias.

Sua discografia dá um chega pra lá na de Lennon aqui ou ali, mas, no conjunto geral, não supera a de McCartney. Só que há um ponto a favor do nosso amiguinho orientalista: sua lista de trabalhos não apresenta discos inteiramente ruins, como alguns que atentam contra a moral e o patrimônio de sir Paul. A má notícia é que Harrison também não nos legou um long play integralmente genial. O que não significa que coisas como ‘Dark Horse’, ‘George Harrison’ (1979) e ‘Cloud 9’ precisem ficar na mesma prateleira que o inominável ‘Tommy’, do The Who ou de qualquer coisa do The Monkees.

Não vou dissecar a discografia harrisoniana aqui. Ando ocupado demais com o dever de NÃO terminar um post que prometo desde 1432 – um aí sobre as dez coisas mais ou menos da discografia nacional de 2010. Mas é possível reparar, de forma imediata, a aversão de alguns proto-humanos em torno do trabalho do nosso protagonista, aniversariante do último dia 25 de fevereiro e um dos casos de subestima estética mais sérios de todos os tempos. Divirtam-se. Ou morram.