03 abril 2012

CINEMA: "Guerreiro", de Gavin O’Connor

Dana White já pegou o celular dos dois



Resumo:
Dois irmãos que não se bicam – um ex-fuzileiro do exército americano e um professor de física fissurado em luta livre – se metem em um campeonato de MMA com atletas de ponta para faturar a fortuna prometida. O destino que ambos querem dar ao dinheiro é nobre. E no meio de tudo está o pai beberrão, que quer se redimir com os dois mesmo treinando, apenas, um deles.

Nota: 7,27



 Quem detém os direitos de distribuição de ‘Guerreiro’ deveria não apenas ser demitido sumariamente, mas preso e submetido a sessões diárias de sodomia. Sustentado em irretocáveis e ultrarrealistas cenas de MMA, o filme de 2011 sequer passou perto da salmonela que repousa sobre as pipocas do chão de qualquer sala de cinema brasileira.

Se há motivos para que um filme que trate de MMA não seja devidamente disseminado no país em que a modalidade mais se popularizou, que sejam apresentados imediatamente, sob juízo e com a presença dos pais do réu. É abaixo de infantil traçar fórmulas para o sucesso, mas há várias razões para crer que um filme como esse seria carregado pela multidão extasiada no país mais recorrente dos pesadelos de Chael Sonnen. 

Só que ganha um doce quem souber a que esse ‘Guerreiro’ se propôs no final das contas. Porque, pelo seu final, tudo não passou apenas de pretexto para uma grande luta de clímax – o que é ótimo e poderia acontecer a cada 15 minutos, mas não resolve nem 16% dos problemas que foram colocados na primeira metade da trama.

A sensação predominante é a de que o roteirista vendeu ao espectador um DVD que, quando tirado da embalagem mais tarde, em casa, só traz em seu interior um adesivo do Corinthians. Eis o que acontece quando se passa metade da obra no desenvolvimento de situações que o financiador da película, muito provavelmente, solicitou para suprimir educadamente aos gritos (atenção: isto é uma estimativa).

Apesar da satisfação que emana do excelente confronto final, ‘Guerreiro’ não é necessariamente um drama de irmãos, mas uma obra com um único protagonista: o MMA. Mesmo assim, há certo esforço coletivo para nos convencer de que a preparação dos personagens não aconteceu apenas na academia de Steven Seagal.

Tom Hardy, por exemplo, é um ator curiosíssimo. É difícil acreditar como um sujeito pode ser tão bonito e absolutamente nojento ao mesmo tempo. Aqui, ele se contorce sobre o peso de seus horríveis ombros inflados em alguma academia do subúrbio de João Pessoa, grunhe “fuck off’’s pro seu querido pai a cada cinco minutos e destrói narizes alheios com a delicadeza de um coice de girafa – o pior que existe, segundo manuais de inutilidade. Seu Tommy é visceral e convincente, embora prejudicado, diante de plateia pensante, por ridículas inserções jornalísticas sobre seu heroísmo como fuzileiro.

Já o australiano Joel Edgerton tem a cara de macho que Leonardo Dicaprio nunca vai ter e o abdômen que Stephen Dorff está tentando adquirir há 38 anos. Seu Brendan Colon, o professor de física que luta escondido da mulher em ringues de vigésima terceira categoria, lhe exige apenas fisicamente – o que, convenhamos, não é pouco. Marido fiel, de fala mansa e parceiro da garotada, Colon é o herói eleito pelos roteiristas para apanhar muito e chutar algumas bundas anabolizadas até seu destino final. O que obriga Joel Edgerton a carregar duas bandeiras: a de ser um clichê terrível revestido de um personagem cujas falas conseguimos prever três anos antes; e a de fazer um lutador de MMA com abdômen de granito em um filme realista sobre semi-assassinatos em pay-per view. 


O que não dá pra entender é porque Nick Nolte foi indicado ao Oscar por seu personagem aqui. Seu papel é repetitivo e sem grande profundidade. Vá lá: tem um momento específico de grande rompante de descontrole, sempre adequado pra cara de buldogue sem focinho de Nolte – e para os flashes dos indicados ao Oscar – , mas nada que o posicione como uma grande força de um ano inteiro. Longe de ser um fenômeno da natureza, a interpretação do velhote seria mais um penduricalho para conferir um pouco de credibilidade dramática ao que poderia ser apenas um filme sobre pitbulls se engalfinhando. Mas quase passa batida.

O vazio que ambienta o fim de ‘Guerreiro’ denuncia que o diretor Gavin O’connor e seus amiguinhos queriam apenas mostrar o MMA como tema cinematográfico. No fim das contas, nenhum drama paralelo foi satisfatoriamente resolvido – embora o vácuo deliberado seja um recurso utilizado muito antes até de Machado de Assis – e a aposta do filme recai inteiramente sobre o êxtase de saber qual dos dois brigões vai se sair melhor.

Mas nem esse segredinho Gavin O’connor soube esconder. Pelo menos de quem sabe ver clichês de roteiro em cima de um octógono. No fim de tudo, o grande perdedor é o dono da distribuidora do filme: se ele tivesse mandado a película pros multiplex tupiniquins, talvez estivesse, agora, montando um UFC particular.