08 abril 2008

Jiló Verde


A obra:

“Mangaba Madura”, de Nino Karva. O disco contou com a participação de Marcus Vinícius nas guitarras, Beto Menezes nos teclados e Tom Toy na percussão. Todas as faixas são de autoria do cantor.

A Crítica

Nota: 4,93

A capa do disco Mangaba Madura é, obviamente, repleta de convidativas e suculentas mangabas em close. E a foto, que retrata as frutas em tamanho em natural, é viva e convincente. Mas na parte interna do encarte há quatro cestos de feira vazios dispostos como marca d’água. Por cima deles, colunas e mais colunas de letras de música. Sem querer, Nino Karva ou quem quer que tenha pensado a diagramação do livreto deu a deixa para o real significado de toda a obra: embuste, uma vez que, quanto mais se procura algo de suculento, mais a mão segue tateando um cesto vazio. Quatro, especificamente.

É verdade que “Mangaba Madura” está muito longe de ser cesto com um fruto só, devendo-se isso à variedade de ritmos, arranjos e propostas espalhadas pelas faixas. Mas o que deveria ser uma saudável salada não passa de uma mistura algo azeda com nacos de legumes boiando ocasionalmente. O fato de ser a obra uma coletânea dos último quinze anos de produção de Karva não justifica a falta de direcionamento do disco, todo ele gravado na mesma época e com as mesmas pessoas. Mas isso não é o mais desanimador. Pior é pressupor que coletâneas, geralmente, reúnem a nata da obra de um artista. Se ‘Mangaba’ for realmente isso, talvez sejam necessários mais quinze anos para que a tarefa de ouvir Nino Karva fique, digamos, mais doce.

“Quebra e viagem”, a faixa de abertura, honra parte do nome e se constitui, realmente, em uma ruptura: de clima, de expectativa, de recepção. É muito difícil passar mais de dez segundos do início da canção sem que se volte para a capa rústica do disco e se pergunte: “coloquei mesmo o disco certo?”. Lançando um blues arrastado, sem carisma e com a inconfundível (dis)ritmia de uma letra mal musicada, Karva proporciona uma entrada não mais do que broxante. Para que não se diga que tudo está completamente perdido, volta e meia surgem competentes arranjos de metais.

É apenas na segunda faixa, “Noite Feliz”, que se sente o que deveria ter sido oferecido na primeira. Escrachada e múltipla, mas com os arranjos em seu devido lugar, a canção dois, essa sim, seria mais apropriada para abrir o disco. A faixa seguinte, “De repente um Blues”, não é muito mais do que o título engraçadinho. Além de inevitavelmente remeter qualquer um a “O autor da natureza” de Zé Vicente da Paraíba – até porque não há muita variedade entre melodias de repente mesmo -, a faixa vem com a bibliografia de Karva em anexo, ou uma saraivada de nomes de autores citados a esmo para preencher buracos- recurso muito usado entre os compositores daqui, embora não tenha surgido, entre eles, nenhum que fizesse isso funcionar.

É infame estabelecer que o disco não passa apenas de um cesto vazio. Há duas ou três mangabinhas lá, representando lampejos apenas simpáticos, nunca valorosos ou dignos de maior lembrança. “Processéia dadística”, apesar da letra pretensamente concretóide e da estranhíssima gravação de garagem, é um rock funcional. “Ribeira”, que deu a Karva o Sescanção de 2001, é composição específica para o clima dos festivais. Em um disco, não é mais do que uma embolada forçosamente politizada – com direito a pregação do Anarquismo - , mas ainda sim relativamente carismática. Finalmente, há a faixa-título, uma brincadeira caribenha que demonstra todo o conforto com que Karva mete o pé no brega quando quer, e com gosto. Só não se sabe se, algum dia, ele saberá o caminho de volta.

Mas é difícil acreditar em redenção para alguém que comete uma “Tragédia de um plebeu”. Seria muito mais tranqüilizador para todos se o compositor estivesse apenas tirando um sarro de si mesmo, uma vez que os arranjos de videokê, o vocal de ressaca e a letra terrivelmente estudantil compõem exatamente a fórmula usada por sujeitos assumidamente engraçadinhos como Rogério Skylab e Zéu Britto. Mas a qualidade de todo o disco denuncia que não, não há piada nenhuma ali. Pelo menos não proposital: de imaturidade escandalosa, a faixa faz jus ao nome e elimina de uma vez por todas qualquer possibilidade de se levar a sério as faixas seguintes.

Pena, pois “Caiçá”, aboio bruto e autêntico, não parecia má idéia. Entretanto, a inserção de uma única estrofe sobre internet decretou a morte da canção: sem o manejo dos cordelistas para tratar dos badulaques da modernidade no meio das casas de taipa, Karva apenas posa de universitário tentando fazer verso.

Não satisfeito com os malabarismos estilísticos que cometeu no disco, o autor decidiu ainda cravar um manifesto no fim do encarte, onde protesta por coisas como “autoconsumo da produção cultural sergipana”, dentre uma série de reivindicações estudantis. Mas será muito mais útil para o compositor fazer a feira direito: Karva mostra mangaba, vende salada, mas o que entrega é uma sopa com gosto de jiló verde.

2 comentários:

Anónimo disse...

Há tempos aguardava novo texto.

Vejo que esta menos rebuscado, mas continua muito contundente.

Essa semana saiu algo novo.

Saudações

JP

Anónimo disse...

Fico sem jeito de falar sobre a crítica do disco de Nino Karva que tanto tá gerando protesto, pois o mesmo Sr Igor fez uma muito "boa" do meu disco. Acho que hoje eu devo gostar do meu CD "Aplausos Mudos Vaias Amplificadas" o mesmo tanto que o Sr Igor gostou. Concordo com a maioria das coisas que ele falou, mas confesso que o que me incomodou tanto da crítica do meu disco quanto do de Nino karva, é o tom de chacota. Essa é a função do crítico?

Sempre gostei de ler críticas de filme, cDs e etc... e me diverti muito com algumas. ACho que Sergipe precisa realmente de alguém pra ir aos shows e escrever sobre o acontecido de colocar o dedo na ferida podre. Falta alguém pra fazer crítica realmente sem dar tapinha nas costas. O que mais temos são reprodutores de releases, e isso é foda também, mas faltar com o respeito não dá.

Não dá pra deixar de fora coisas como o ano de lançamento, a contextualização ajuda a entender a obra também.

Isso é incompetência, má intenção ou Irresponsabilidade?

Todo artista tem que estar preparado para ouvir as críticas. Quando encontrei o blog do Sr Igor, primeiro fiquei um pouco triste, confesso, pois gastei muito tempo e dinheiro pra terminar aquele disco e achava que tinha feito um bom CD, mas depois achei engraçado e copiei e coloquei no meu site já que o nome do disco fala de "vaia" e "aplausos" eu não poderia deixar escapar uma vaia dessa.
O novo disco se chamará "Tralhas" e espero que inspire muitos trocadilhos por parte do Sr Igor, mas que venham, pois serve de combustível para uma nova produção.

Fico aguardando a crítica do CD da naurÊa, de preferência o novo.

Pois é, é isso, que o Sr Igor continue fazendo sua crítica, chamando atenção, gerando debate, que é tudo que o jornal dele gosta.

Já estou ansioso para ver o texto da próxima semana. Os músicos ficam discutindo e o Sr Igor rindo e rindo e rindo.

Abraço pra todos!!!

Alex Sant'Anna
músico, toca na banda naurÊa e tem uma carreira solo
www.alexsantanna.com.br
www.naurea.com.br