20 janeiro 2009

Estado de Calamidade


A obra: ‘15 anos no País do Forró’, de Rogério. Obra foi gravada em 98 e contou com Mongol no baixo, Carlinhos na bateria, César e Severo no acordeon e Tovinho na direção musical.

A crítica:

Nota: 5,74

Pergunta valendo um milhão de CDs ‘15 anos no país do Forró’, de Rogério: o que é pior? Uma diversão que não começa, uma tarefa que não termina ou uma coletânea repleta de sucessos regravados que nem começa nem termina? Periguetes e pré-adolescentes desesperados por uma gota de suor da Pitty ficarão com a primeira opção. Pluricelulares assexuados que só vêm o sol no reflexo da área de trabalho do computador talvez abracem a segunda. Mas a resposta não está nas alternativas que o Gugu leu. A solução mais sábia, na verdade, é uma outra pergunta: posso trocar de prêmio?

Sinal vermelho aqui. Antes de ser iniciada a sessão descarrego, é importante deixar metais e objetos pontiagudos ali, por favor, que o detector apitou. Porque é necessário que se diga que sim, o mundo será destruído, mas não necessariamente pelos raios imperceptíveis que possam sair de ‘15 anos no país do Forró’. Em português corrente: a obra não é uma hecatombe, um xingamento, uma coisa indizível e indigna de menção. Mas também não se trata de uma ‘apenas’ mal-sucedida coletânea de sucessos rearranjados e escolhidos a dedo pelo autor. O trabalho é, isso sim, uma ‘estranhamente’ mal-sucedida coletânea de sucessos rearranjados e escolhidos a dedo pelo autor.

O significado da ênfase é claro. Quando uma gravadora faz coletâneas, o negócio é depenar a obra do sujeito, selecionando-a por arrecadação de divisas. Não há nada demais na temática veladamente pecuniária – isso para o autor que de fato tem o que mostrar. Mas regravar sucessos dá trabalho. E para se ter trabalho com algo, é preciso ter, antes de mais nada, certeza. E é particularmente intrigante a certeza de Rogério acerca da representatividade das canções escolhidas para celebrar seus 15 anos de trajetória. Fora duas ou três escalações racionalmente incontestáveis, o disco soa como um imenso banco de faixas-reserva ou contundidas ou que passaram pela peneira apenas porque o pai é o dono do time. Em suma: ainda que profissional, ‘15 anos no País do Forró’ é monótono, linear, insípido e não presta o devido serviço, enquanto repertório, ao peso estético de um sujeito que se arriscou sem hesitar a misturar o forró com a tecnocracia oitentista.

Não é necessário reproduzir a obra de trás pra frente para identificar seu real e implícito significado. Ela está em cada poro da estranha ‘Dança no interior’, a faixa de abertura. É aqui que se encontra a maior concentração por metro quadrado de um elemento que assoma absoluto na impressão final acerca do trabalho: repetição. Dura melodicamente, a faixa não passa de um monólito com pouco mais de três minutos sem que haja uma única estrutura de maior destaque. Não que seja obrigatório a ninguém enfiar um refrão em tudo. Mas é muito pálida a idéia de transitar de uma estrutura a outra com uma microscópica variação frasística lá na cauda da linha vocal. Se fossem suprimidas umas duas notas, ‘Dança no interior’ passaria de forró sonolento a um dos raps mais bem arranjados da História. E não, isso não seria uma promoção.

Em seguida, com ‘Romeiro do som’, Rogério mostra o que sabe fazer. O teclado sinfônico e escandaloso no início assusta e poderá causar reações desesperadoras para os mais exaltados fiéis do forró tradicional. Mas logo se verá que a discrepância entre o instrumento e a estilística é logo resolvida pela bem construída linha vocal, fazendo com que o que antes era barulho passe a ser, digamos, uma ornamentação apoteótica. A excelência das construções e a própria letra, que versa sobre o primeiro contato do autor com seus ídolos, simplesmente fazem com que a faixa, ao invés do experimento de entorpecimento pelo sono de ‘Dança no interior’, seja a mais adequada para abrir o trabalho.

Dói no corpo a obviedade da presença de ‘País do forró’ na obra, mesmo em pout-pourri, mas fazer o quê. A peça é a ‘Garota de Ipanema’ de Rogério, sua ‘Emoções’, sua ‘Ruas de Ará’, sua ‘Pretty Woman’. E ao contrário de muitos autores que preferem exorcizar sucessos insuportavelmente requisitados e tocar pra frente, Rogério os tatua na testa, costura-os pelo corpo, bate no peito e diz que é dele, e daí. Isso é bom, é ruim? Nenhum dos dois: é oportuno. Por ‘País do forró’, canção cuja segunda estrutura é um remendo luis-caldiano feito para encher salame, Rogério não ganhará nenhum Nobel pela contribuição ao cancioneiro ocidental – pelo menos em vida. Mas com certeza alimentará muita gente ainda só por ter sido pai do hino absoluto dos festejos juninos – ou melhor, da propaganda dos festejos juninos – desses rincões.

Com a apenas genérica ‘O fole roncou’, começa a cansar a recorrência de Rogério ao forró como solução para tudo. A batida sempre é a mesma, os arranjos, ainda que equilibrados, são copiosamente iguais, a tessitura do cantor não se altera mais que milímetros. É um desafio prosseguir interessado após esse desfile industrial de mesmice. ‘Profissão sonhar’, por sua vez, poderia ser uma corda jogada ao poço se a expressividade de sua primeira metade fosse multiplicada. Essa matemática, porém, passou batida pelo compositor, que mostra ser capaz de iniciar as canções que quiser, mas incapaz de concluí-las com o mesmo esmero.

Todavia, há uma ou outra pecinha que contribui para tornar suportável a baixíssima versatilidade do repertório. ‘Embolada’, convidativa desde o início, é rica e inventiva o suficiente para ter qualquer letra. Se Rogério escolheu um eu-lírico de ‘cabra-da-peste’ para discorrer sobre coragem, como o fez, pouco importa: enquanto nada atrapalhar a expressividade harmônico-melódica da canção, as fichas ainda estarão valendo. ‘Rosa de sol’, por sua vez, é surpreendentemente complexa, mesmo com duração limitada. Ora contida, ora ágil, a faixa é bem-sucedida em todas as suas estruturas.

Mas é claro que um autor que dedica letras a seus ídolos não deixará passar a oportunidade de dedicar-lhes versões. E é aí que Rogério, que já andava meio torto em cima do jegue, cai de vez em cima de um robusto mandacaru. A releitura de ‘Enquanto engomo a calça’, de Ednardo, não acrescenta em nada à memória da canção. O segundo trecho – esse grande tabu de Rogério – parece ter sido recortado e colado em estúdio com a delicadeza de um legista de IML, tamanha a desconexão com o corpo da faixa. Ah, como é triste essa nossa vida de ouvinte. Já ‘Moça bonita’, de Geraldo Azevedo, é comum demais para justificar sua presença.

O que agrava a mediocridade de um trabalho como ‘15 anos’ é o encarte. Lá, ao lado de fotos de infância e dos pais, Rogério abraça um Nando Cordel acordado no susto e conversa com uma Xuxa muito mais interessada em algo que se suspeita ser uma coxinha de frango. O mais importante, porém, não é tanto o senso de ridículo meio suspenso das imagens, mas o estabelecimento de que o trabalho é de fato um apanhado de sua carreira. Eis a questão: como um autor capaz com 15 anos de trajetória e alguns apertos de mão na Marlene Matos só pode ter rendido um amontoado de forrós meio assim meio assado? Os universitários que respondam. Até lá, arrumem outro brinde, por favor.

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