16 julho 2006

COMPLEXO DE GUAIAMUM


A OBRA

‘’Das Águas Barrentas’’, de Kleber Melo. O compositor, vencedor do Festival Sescanção por duas vezes, canta músicas próprias e parcerias com Amorosa, Helder Dantas e Jorge Ducci. Gravado em 1999, o álbum conta com a participação de Musquito nos violões e Pedrinho Mendonça na percussão.

A Nota: 1,51

A CRÍTICA
:

Já se tornou redundante afirmar que viver de música em Sergipe é amargar uma semi-mendicância. E se fosse o bom senso o juiz da relevância artística, seria muito melhor para Kleber Melo ter um emprego estável longe das artes; apenas assim a sobrevivência não lhe seria afetada caso cometesse um outro ‘’Das águas Barrentas’’. Mas o bom senso, para azar geral, não é o supremo seletor ---- e, no caso da obra aqui analisada, não é a referência.

Qualquer um que queira purgar-se do preconceito contra a dita ‘’música sergipana’’ deve manter distância regulamentar desse trabalho. Pois aqui estão todas as falhas e estereótipos que mantêm a arte desses rincões albanino-joaninos à margem de seu próprio povo. ‘’Das àguas barrentas é a perfeita personificação do amadorismo tropicalóide , da ‘’sergipanidade’’ reacionária.

Durante todo o disco é incitada a sensação de que as linhas vocais são um mero pretexto para justificar a presença de letras. Quando esta relação não é possível, temos ‘’Redundante Amanhã’’, peça preguiçosa e cansativa, que não se decide entre não ser uma canção e não ser poesia. É mais provável que não seja nada.

Essa, digamos, 'descaracterização' de elementos musicais não para por aí. A contribuição de Joésia Ramos em uma a canções também confronta paradigmas: rejeitando o tradicional pressuposto de que participações especiais tendem a elevar o nível, o resultado da intervenção não passa de medíocre. As vozes de Joésia e Kleber não se complementam, não dialogam, não funcionam. Não seria apocalíptico concluir que a camaradagem nepotista tenha prevalecido sobre a sensibilidade auditiva.

O requinte poético através do hermetismo e de figurações abstratas parece ser a obsessão de Kleber Melo. Só que ela não funciona em nenhuma das canções ---- seja devido a pobreza de construção das composições, seja devido a obstinação insensível pela sofisticação. Em, ‘’Sagrado’’, a monotonia harmônica e a atmosfera sombria seriam mais adequadas à narração; optando pelo ‘’difícil’’ e ‘’etéreo’’, Melo a empesteia de lirismo vazio e intelectualóide e, achando pouco, repete sadicamente cada linha dos estrofes.

Erro de mesma natureza afeta a embolada ‘’Cansanção’’; a ausência de melodia não encontra respaldo na letra que, em retalhos poéticos, não possui carisma algum. Apenas ‘’Estiagem’’ ---- em parceria com Jorge Ducci, da Sulanca ---- e ‘’Rito’’ parecem ter algum valor. São ambas bem construídas, melífluas, ainda que figurem mais como alívio ao vazio que as avizinha do que como peças autônomas e capazes.

É clara a intenção do compositor em legitimar-se como representante do purismo sergipano. As canções, impregnadas de rusticidade, refletem a necessidade de se expor que foi feita alguma pesquisa cultural. Mas ‘’Das águas barrentas’’ não possui nem carisma folclórico nem substância musical para sustentar proposta alguma. Que seja considerada, ao menos, a coragem do cantor em expor-se desavergonhadamente à chacota: posando de ‘’catador-de-caranguejo-de-boutique’’ na capa, Kleber Melo consegue ultrapassar todos os limites ---- do ridículo.

4 comentários:

Anónimo disse...

...

Anónimo disse...

I.M.
Seu respeito quero ter sempre!rs
Bjos da Ninha

Anónimo disse...

Seu respeito quero ter sempre!rs
Bjos da Ninha

Anónimo disse...

A critica musical popular n Brasil começa de fato com a chegada da Bossa Nova, e ai se destacam três grandes escritores que se tornariam críticos musicais o Mário de Andrade, Murilo Mendes e Otto Maria Carpeaux.
Notamos nos textos dos escritores que há uma preocupação de analisar os aspectos musicais da obra com a intenção de informar e enriquecer a cultura musical do leitor, trazendo para o texto interpretações muitas vezes técnicas acerca do repertório em si.
Consideramos ser esse aspecto o mais importante de uma crítica: discorrer sobre a obra em si, sem se ater a formulações externas que nada contribuem para o entendimento e esclarecimento da obra analisada. Vamos, então a algumas considerações sobre a palavra “crítica”.
Segundo o dicionário Aurélio, a palavra “crítica” do grego kritiké, feminino de kritikós, é a arte ou faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular as de caráter literário ou artístico. A palavra “crítica”, por sua vez, também se origina da palavra grega krinein (krinen) que quer dizer quebrar: o esforço de quebrar uma obra em pedaços para pôr em crise a obra em si. Acreditamos ser essa a função da crítica: fragmentar uma obra de arte, colocar em crise a idéia que se tem do objeto, para, assim, poder interpretá-la. (Liliana Harb Bollos)

“A crítica expressa, sem dúvida, alguma coisa de gosto pessoal, tanto quanto guarda (ou deveria guardar) algo de objetivo e informativo também. Mas ela é mais do que opinião e reportagem e mais do que a soma dos dois. O critico não está só defendendo uma escolha; o que interessa é a natureza dessa escolha” (Nestrovski: 2000, p.10).

“É muito difícil alguém que compreenda a parte musical mesmo. Então é difícil encontrar quem saiba escrever sobre Tom Jobim. Nem compensa, é claro. Você não vai publicar uma partitura num jornal, publica uma letra, porque qualquer um pode julgar aquilo. Para mim isso é frustrante, porque eu vejo a letra tão dependente da música e tão entranhada na melodia, meu trabalho é todo esse de fazer a coisa ser uma coisa só, que, geralmente, a letra estampada em jornal me choca um pouco. É quase uma estampa obscena”. (Chico Buarque: 1994)

"O grande problema da crítica no país é a desqualificação. Você tem caras completamente desqualificados para esse trabalho nas redações", (Helder Vasconcelos – Mestre Ambrosio)

"Ambos acabam em posições que tendem ao ressentimento ou ao instrumentalismo" , "A indústria cultural é feroz, e ter um lugar na mídia é crucial para ambos" (José Miguel Wisnik)