30 julho 2006

Gula e Desperdício



A OBRA

´Assim Meio de Lua...´, de Rubens Lisboa. Além de exibir onze músicas próprias, o cantor/compositor interpreta canções de Chico Buarque, Arrigo Barnabé e Cazuza. Dentre várias participações especiais, figuram as de Patrícia Polayne, Chico Queiroga, Pantera, Gena Ribeiro e Amorosa.


Nota: 6, 27

A Crítica:

Todo disco é um trabalho auto-promocional. Justificado, obviamente, pela essência artística. Mas ao se analisar o tijolesco encarte de ´Assim, Meio de Lua...´, torna-se inevitável a impressão de que o esforço do sr. Lisboa pendia mais para a propaganda do que para a unidade estética ---- atributo este cuja aquisição não exige esforço quando se tem, para variar, bom senso. Por isso é estranho abrir o pequeno calhamaço e deparar-se com o compositor abraçado à cantora nacionalmente relevante Marlene e convenientemente dedicá-la a obra; por isso é estranho virarmos a página e encontrarmos uma açucarada introdução textual; por isso é estranho que mais à frente estejam enumeradas frases de figurões da cultura sergipense derramando elogios ao autor. Mas essas tais estranhezas não são meros devaneios de uma exigência viciada: são aspectos que prejudicam um disco para quem o aprecia em sua completude.

E um disco que, com um repertório melhor selecionado, seria mais razoável. Em ´Assim...´, vinte faixas é muito. Na verdade, mais do que isso: desnecessário. Pois foi a necessidade auto-indulgente de ostentar uma produção febril que isolou as melhores canções e diluiu a qualidade geral.

´´Ode à lua´´, uma das melhores canções do disco ----se não a melhor----, dura pouco mais de um minuto, e funciona como um falso preâmbulo. Pois nenhuma das peças que a seguem se aproxima do tribalismo obscuro da pequena música. Notável é que o último verso da citada faixa é um sugestivo ´quem irá me segurar´. Mas a resposta é imediatamente fornecida na faixa seguinte: ele mesmo. Nunca se saberá por que, em meio a um excessivo repertório, o compositor tenha escolhido justamente a soporífera ´Aviso aos Navegantes´ como continuidade do espírito visceral inicialmente sugerido.

Através do incômodo mecanismo de sublinhar as páginas do encarte com comentários a respeito das músicas ---- um excelente recurso para subtraí-las o distanciamento estético, oposto à racionalidade ---- fica-se sabendo que ´´Vietnamita´´, composta por Marta Mari e Antônio Passos, foi uma das canções mais viscerais já escutadas pelo sr. Lisboa. É possível que muitos acreditem nisso. Mas uma pessoa pelo menos, não o fez. E qual não é o azar do nosso protagonista ao constatarmos que o ser unitário em questão foi exatamente Diogo Montalvão, o produtor. Por isso a canção ficou como ficou: um arrastado Heavy Metal com direito a teclados góticos e constrangedores drives vocais.

A preocupação de imprimir em tudo o aspecto rocker pode ter servido para afastar Lisboa da saturação regionalóide. Mas tambem o afastou da MPB. E não o aproximou tanto assim do bom gosto. Sua versão para ´Caçada´ de Chico Buarque mais parece um insólito casamento entre Sergival e a banda finlandesa Tristania; se era duvidosa a qualidade da transposição da cazuzaniana ´Subproduto do Rock´ para a bossa-nova, Lisboa e elimina: a versão realmente não funciona; em ´´Suspeito´´, a única justificativa para o grito dado lá pelo meio da faixa deve ser o de alívio cômico.

Gravar um disco com mais de setenta minutos de música e não acertar em nada é trágico. Dessa sorte, para alívio de todos, o sr. Lisboa não foi acometido; e o produtor Montalvão encontra espaço para pagar pelos seus deslizes. É difícil não se interessar pela complexidade dos arranjos de ´Eu sei´. É estranho constatar que o mesmo sujeito que executou impiedosamente Chico de Hollanda tenha sido capaz de conceber a encantadora ´Maria Alice´, candidata a clássico da exigente conjunção regionalismo/ melodia e acrescida da feliz intervenção de Chico Queiroga.

´Orvalhada´, de teor sombrio e místico, é um bom exemplo do que o domínio tecladístico é capaz. Ponto para o compositor Lisboa. Ponto para o arranjador Montalvão. Mas os louros de ´Oratório´, a última das canções merecedoras de menção, devem ficar com o compositor Pantera. Bem, não seria mal fazê-lo, já que o citado personagem compôs, arranjou e ornamentou com vocais uma cantata de inquietante alto nível.

No texto introdutório do encarte, o sr. Lisboa deixa subtendida a vontade de firmar-se enquanto intérprete. Mas esse não parece ser o caminho mais feliz. Não tanto pelos seus dotes vocais que, subtraída toda a pirotecnia, revela aqui e ali uma timbragem de delicada feminilidade. Mas talvez seu aprofundamento enquanto compositor possa resultar em mais serviços prestados ao magro repertório sergipano do que o performático bater das tamancas. Se mais enxuto, ´Assim, meio de Lua...´ poderia ter sido um bom trabalho de um promissor criador. Mas a fúria quantitativa pesou. A auto-indulgência pesou. E o mau gosto, que não deveria estar lá, bailou ao som de um xote-metal.

Sem comentários: