11 agosto 2009

EXCESSO DE COISA NENHUMA



A obra:

‘Imaginário’, da Sibberia, disco gravado entre 2005 e 2006. Banda é formada por Júnior Ribeiro nos vocais, Danniel Melo no violão, André Vinícius no baixo, Meu Balão na bateria, Rafael Santiago no teclado e Iguassu na guitarra.

A Nota: 2,97

Indicado para: quem diz por aí que "adoooooora'' a banda Nenhum de Nós sem saber que, na verdade, é fã de David Bowie.

A crítica:

Tirando óperas eruditas, óperas-rock e álbuns de punk, dezesseis faixas é um número abusivo e perigoso para qualquer trabalho. Trata-se de um amontoado de coisas sem nenhum critério para estar lá; uma coletânea de ‘tudo’, no afã desenfreado de se acertar em algum momento; uma avalanche concebida sem nenhum temor de que duas ou três boas idéias sejam esmagadas pelo excesso de equívocos. E se isso já é deplorável em todas as estilísticas imagináveis, no pop rock nacional, então, uma situação como essa se converte em uma hecatombe impensável. Simplesmente porque o tal do pop rock nacional merece atenção particular quando o assunto é achincalhe: poucas vertentes no mundo têm um repertório tão ruim, repetitivo, presunçoso e sem nenhum atrativo que justifique sua longevidade no cancioneiro popular. E que coisa curiosa aconteceu agora. Esse ‘Imaginário’ também é um disco ruim, repetitivo, presunçoso e sem nenhum atrativo que justifique suas dezesseis faixas.

Na verdade ‘ruim’ é apelido. Essa obra é um exercício supremo de chatice. E, pra variar, nada da mediocridade do trabalho está relacionado à competência técnica dos musicistas, sujeitos razoavelmente experimentados que provavelmente resolveram ignorar seus ‘paladares’ auditivos reais só para, travestidos de Capital Inicial ou Polegar, abocanhar cachês em bailes de formatura – o que não é pecado algum, desde que nunca, jamais e em nenhuma hipótese se grave coisa alguma em estúdio. O fracasso do álbum está, na realidade, na ansiedade irrefreável de mostrar volume de produção. Com míseras sete ou oito faixas bem escolhidas ainda não se teria uma obra lá muito pertinente – o ‘popinho’ é assim –, mas mesmo assim se teria algo indubitavelmente superior a esse asteróide em rota de colisão com a paciência que ‘Imaginário’ insiste em ser.


É claro, entretanto, que a esquizofrenia produtiva, o estranhíssimo apego a criações sem importância e a auto-celebração do ‘olha-só-como-consigo-fazer-igual’ – o ‘popinho’ nunca deixará de ser assim – tinham que se estabelecer como características majoritárias. O resultado nunca poderia ser outro: um trabalho praticamente impossível de ser escutado até o fim – a não ser sob o dever de resenhá-lo –, esquecível, aquém da real capacidade dos envolvidos e destinado a andróides sobrehumanos que agüentam uma hora de mesmice. Ou seja, amiguinhos: ‘Imaginário’ é um clássico do pop rock nacional.

16 É IGUAL A 73.867²

A mera atitude de enfiar algo como ‘Apenas eu e você’ logo na abertura já revela o naipe do que se verá a seguir. Com uma linha vocal obstinadamente reta e previsível – até porque não há muito para onde ir diante do absoluto pauperismo harmônico –, a faixa é inacreditavelmente irritante. Não há como negar que o sexteto se preocupa em arranjar em cima do indispensável pressuposto ‘menos é mais’ e exercita suas referências com assustadora sensibilidade comercial. Mas nem linhas de cello e viola escritas por John Barry salvariam algo tão banal de se afogar no poço da própria mediocridade. A canção seguinte, ‘Velhos Fantasmas’, é ligeiramente mais robusta criativamente e conta com intervenções guitarrísticas concebidas com propriedade. Mas sua insipidez sinaliza que a obra nunca crescerá o suficiente ao longo de seu repertório interminável.

A conclusão é referendada pela faixa seguinte, homônima ao disco. No inicio da canção, a idéia é correr atrás do ônibus do Biquini Cavadão. Depois, um balaio de estruturas culmina em uma levíssima referência à banda americana de exibicionismo e contorcionismo semi-circenses Dream Theater. Ao término de tudo, a sensação é de que as coisas estão melhorando, mas a passos de jabuti perneta e sem estimativa alguma de que algo realmente relevante venha a surgir. E olha que estamos falando de infinitas dezesseis faixas.

Mas será que essa estabilidade no medíocre-aturável se sustenta? Para desespero total do público pagante, a resposta é: não. Em vez de não melhorar, a obra fica ainda pior. Depois do discreto passeio às margens do córrego da pertinência, tem-se desastres como a pré-escolar ‘Sumário’; a absolutamente esquecível ‘Vou embora’; a impecavelmente retilínea e inevitavelmente desinteressante ‘O Outro Lado’; a fugaz e imatura ‘22 do quatro’, tão original que disponibiliza tudo o que irá pela frente em míseros sete segundos de execução. Já ‘Meu Tempo’, espécie de soma desajeitada de Charlie Brown Jr com Capital Inicial, é a prova de que não há limites para quem faz força para ser irrelevante.

PROBLEMA DE JUNTA


Diante de tamanho desfile industrial de vacância e superficialidade, é praticamente impossível deixar passar o minúsculo excedente de qualidade refletido por ‘Negar o Não’, sadicamente relacionada nos últimos suspiros do trabalho. Com algumas gotas de personalidade e pálido esforço harmônico, a canção se subtrai – minimamente, que se ressalte – dos insuportáveis clichês aos quais o grupo jurou lealdade eterna. Mas esse momento de leve estranheza não dura muito. Com a impraticável e digna de multa ‘Jeremy’, a banda logo retoma o trilho abismo abaixo e segue firme rumo ao seu projeto de não frustrar quem não espera absolutamente nada de sua proposta.

Para quem desperdiça a vida dedicando-se a Nando Reis, Ira! e afins, o desprezível trio final ‘Tudo é sempre Assim’, ‘Labirinto’ e ‘Nós dois’ – que aponta uma arma para a cabeça de um bourré de J.S.Bach por absolutamente nenhuma razão em particular – é um exemplar sintético da experiência suprema e transgressora que é apreciar o pop rock tupiniquim: em um primeiro momento, não se tem nada; no segundo, coisa nenhuma; e no terceiro, volta-se para o primeiro ponto, onde se constata que, na verdade, algo de fato aconteceu: perdeu-se tempo.

Quando já é impossível suportar míseras duas canções concebidas por qualquer ícone de meia-idade do popinho oitentista – estilo que pregou na cruz da década em questão um equivocadíssimo atestado de nulidade criativa –, a Sibberia traz quatro jamantas repletas de faixas e mais faixas que se repetem em um burocrático e chulo exercício de reverência estética. Mas há um lado nessa situação – extremamente otimista, que se registre - que converte o frisson prolífico do sexteto em colaboração à saúde mental pública: é o lado que vislumbra que ‘Imaginário’ não é uma quilométrica coletânea boboca de convenções pop, mas um megalomaníaco expurgo; um ultra bota-fora. Uma despedida, enfim, de uma banda cansada de ser o projeto nulo que é.


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