19 dezembro 2009

... CONTINUE PROCURANDO, POR FAVOR


A obra: ‘Encontrar Você’, de Gladston Rosa. Lançada em 2008, obra contou com Júnior nos teclados, Beto Vasconcelos no baixo, Pelé nas guitarras e Chico Queiroga e Antônio Rogério nos violões e na direção artística.

Nota: 3,84

Indicado para: shhhhhhhhhhh... caladinhos, senão Rosa pode encontrar você.

A crítica:

Hein? Dica para animar a semana? Não, não, não, não. Página errada, amiguinho. Aqui, por enquanto, só temos fórmulas para estragá-la. E a mais nova pedida, última inovação no mercado, é essa obra acima. Todos os ingredientes necessários para a anulação absoluta do bom-humor, aumento de taquicardia e sonolência estão lá: anemia criativa, ordenação de faixas sem critério, desperdício de arranjos, letras hiperglicêmicas. O que pode atrapalhar um pouco o projeto de uma experiência ruim é a relativa competência vocal do cantor e a inteligência indiscutível da maioria dos arranjos. Mas nada que impeça seu dia de ser um desastre. Não tem erro: insatisfação garantida ou sua paciência de volta.

A destruição do dia alheio é atribuição quase que automática de uma obra esteticamente incipiente como ‘Encontrar Você’. Só que de algo ninguém pode acusá-la: de ter um título inadequado e pouco inventivo. É nele que se sustenta a completa desarrumação, a indecisão, a inconsistência de tudo. E é a partir dele que se infere que a obra não é o achado, mas o registro da busca. O problema é que essa inclinação, em vez de corresponder a um interessante experimento versatilidade acima, não passa de uma exposição confusa de referências e intenções. É assim que se tem exemplares de pop, pagode, soul, xote, reggae misturado com qualquer coisa, gotas de sertanejo e uma jarra cheia da afetada e prejudicial nova MPB. Atirando para todos os lados, Rosa acerta um ou outro projétil no alvo meio sem querer, sem saber onde está mirando, esperando que alguém diga ‘ai’ e lhe indique o caminho. O resto é bala perdida.

INÍCIO DA BUSCA: SILÊNCIO

As más idéias não fazem muita firula para aparecer. A abertura ‘Minha identidade é você’ já representa o compromisso discutível que foi dispensado à ordenação das faixas. Isso porque é interessante como a canção sofre com a péssima idéia de ter sido situada no início. Isolada de qualquer coisa, trata-se apenas da típica peça sem término, que gira com doentia insistência em torno de uma única estrutura. Mas como entrada de tudo, ‘Minha identidade é você’ é um tronco de jequitibá no meio de uma ruela, uma jamanta virada na pista do aeroporto, um rei Momo desmaiado na fila do supermercado – passar adiante, só munido de sobrehumana disposição. Pelo menos a solução timbrística dos teclados torna menos impiedoso o esforço de aturar a faixa por mais de três minutos, longuíssimos diante de sua anemia.

É simplesmente constrangedor constatar que toda a complexidade conceitual que parece se esconder no título da obra não se reflete em momento algum na faixa homônima. É bem verdade que ‘Encontrar você’ não é bem um problema de saúde pública: o esforço de torná-la exemplar fiel de inofensivas e facilmente esquecíveis fórmulas de reggae a transformam apenas em um hit chato e irremediavelmente grudento. Mas a ausência de sinapses neurais nas letras, ainda que não se aproxime do escândalo, merece menção pela dose de tédio que proporciona. As palavras giram e giram e giram em torno de uma vaga procura por uma fêmea. Pronto. Acabou. É isso. Agora aplausos, por favor – não para o autor, mas para quem se interessou pelo assunto.

ALGUM SINAL

Apesar da garapa nauseante que também compõe os versos de ‘A muralha’, o início acústico da faixa pode ser facilmente categorizado, paradoxalmente, como o trecho mais intenso do disco. É possível até crer que, no lugar da boçal ‘Minha Identidade é Você’, essa seria a peça adequada para recepcionar a todos na extremidade norte do trabalho. Só que quando a banda entra, logo se vê que a peça nunca vai além do rigoroso projeto de Rosa de cometer canções facilmente mastigáveis e imediatamente excretáveis. Quem quiser evitar certa inversão de fluxo nessa digestão deve manter distância nada desprezível da péssima ‘Felina’. A atmosfera pula-pula e cor-de-rosa faz com que a faixa, parceria de Rosa com Antônio Rogério, jamais passe de um temível jogo de paciência em que dificilmente haverá vencedores. Ao invés de se ter o cuidado de escutar tamanho equívoco próximo a calmantes, é menos trágico fingir que ela nunca foi feita.


Já por ‘Lulu’, Rosa não seria necessariamente homenageado com passeios em carros de bombeiro avenidas afora. Mas não há dúvidas de que a faixa representa um sinal de vida inteligente diante de tanta aridez criativa. Harmonicamente válida, sofisticada e com o romantismo levemente colorido pela irreverência, ‘Lulu’ representa aquilo de que Rosa é capaz quando deixa para trás o ecletismo desesperado e pateta. ‘Morenice’ é outro acerto. Nunca é demais ressaltar que qualquer outra coisa que Rosa e Antônio Rogério fizessem resultaria em algo melhor do que a inominável ‘Felina’. Mas o que acontece é que há valor absoluto na expressividade dessa outra parceria da dupla, um xote revestido de dramaticidade e dolência. Só que quem se anima com isso precisa esquecer a escolaridade e adquirir um Pense Bem para exercitar a memória. Isso porque, depois das exceções, nada se afasta da palidez característica da primeira metade da obra.

PERDA TOTAL DE CONTATO

‘Beijo Veneno’ simplesmente possui o mérito de parecer com tudo o que foi feito em termos de forró e, ao mesmo tempo, não ter absolutamente nenhum elemento para ser lembrado. Com um pouco de paranóia e muita falta do que fazer, é possível até estabelecê-la como uma das faixas mais niilistas desde a morte do Criador: não propõe nada, não pretende nada, não significa nada, não impressiona nada, não tem peso nenhum para figurar em repertório próprio e, no fim das contas... do que é que estávamos falando mesmo?

A cansativa ‘Por Acaso’ também não justifica a própria presença, e se situa apenas como a versão latinóide para a antipática e repetitiva vacância da primeira faixa. Ao investir no choro ‘Explode Coração’, Rosa não parece tanto estar fazendo reverência à velha guarda, mas ao pauperismo das fórmulas gastas até o osso de um Belo ou de um Vavá. E é com tudo já devidamente virado e azedado que o solista lança a ligeiramente relevante ‘Anne’. Aproveitando a nudez da canção e a expressividade do piano, o autor procura se estabelecer como intérprete, atribuição em que sua competência é pouco contestável. Mas é tarde demais. E as versões remix de duas das piores faixas do disco só revelam o quanto o protagonista se esforça para disseminar seu pior lado.

Esquecer uma obra como essa só não é algo recomendável por ser simplesmente improvável que outra coisa aconteça. E é lamentável constatar que, em meio a tamanho festival de impertinências, os ingredientes de um disco bem produzido estavam todos lá: bom vocal, arranjos bem pensados, malha equilibrada de instrumentos. Mas onde estão as boas idéias? Onde está a inventividade? Ao invés de buscar isso, Gladston Rosa quer encontrar alguém; alguém que diga ‘ai’ diante da esquizofrenia de seus tiros. Nesse caso, todo mundo quietinho.

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