06 maio 2008

O homem que não estava lá



A Obra :

‘À Flor da Pele’, de João Moura. Gravado em 2007, o disco contou com Caribé nas guitarras, Júlio Carvalho no baixo e Petta nos sintetizadores, bateria e percussão.

A Nota: 4,36

A crítica:

É muito difícil chegar ao fim das 12 faixas dessa obra e, com uma inevitável e desesperada expressão de alívio, permitir que se escape a conclusão a seguir: esse disco é muito mais suculento para os músicos de estúdio do que para a crítica. Sim, porque nesse trabalho é revelada uma oportunidade ímpar de aparição para os laboriosos instrumentistas desfigurados pela imagem expansiva dos solistas. Para proporcionar isso, João Moura abre mão de ser o manda-chuva, lambe o teclado para justificar seu nome na capa e, por vezes, desaparece sumariamente. Diante de tamanho esforço para a autonegação, a impressão que fica é apenas uma: sem pulso para protagonista, o compositor faz apenas participação especial no próprio disco.

Mas há dois elementos que eliminam de uma vez por todas a possibilidade de conceber a abstinência como proposital: as fotos da capa* e do verso. Em ambas, Moura posa de pianista de hotel de luxo ao lado de um piano Steinway de auditório. Enquanto em uma delas sua mão desliza pelo instrumento indicando posse e domínio, na outra as mangas levantadas de seu blazer, a postura desleixada e o olhar distante sugerem segurança e jovialidade. É com o vislumbre dessas representações que se chega a uma afirmação já pouco confrontável – sim, trata-se de um declarado álbum solo – e a um questionamento insolúvel: onde foram parar, no disco, os atributos prometidos pelo pernóstico ambiente representado no invólucro.

Com certeza não se encontram na faixa de abertura. De ingenuidade melódica assustadora e construções harmônicas há muito superadas em todos os estilos existentes, ‘À flor da pele’ não consegue, sequer, ser uma boa peça de new age. Mas graças à sonoridade bem calculada dos arranjos, talvez sobreviva como mais um jingle nulo. Pelo menos a faixa seguinte, ‘Os seus olhos’, eleva um pouco o nível. Mesmo não sendo a canção mais original já feita, é inspirada a ponto de gerar alguns assobios involuntários, e, assim como o razoável reggae ‘Canção pela Paz’, é desempenhada de forma menos burocrática por Moura – algo que não se verá em nenhuma das outras faixas.

No início de ‘Brisa da Noite’, susto. Baixo repleto de fraseados, guitarra pretensamente iron-maideniana, melodia fácil: entrou-se no terreno movediço do forró eletrônico. Depois da entrada apoteótica – e que mandou às favas a asséptica imagem eruditóide da capa –, cresce a expectativa sobre qual será a solução do compositor para transformar uma referência tão tresloucada em algo pertinente. Mas logo se verá que não há solução alguma. Em vez disso, os problemas crescem, e sob a forma de melodias tão soporíferas e desempenho tão apático que exigem certo esforço para serem notados.

A entrada alienígena de ‘O Orvalho’, por sua vez, não se desenvolve a ponto de tornar-se empecilho, e não surgem dúvidas de que o piano é o centro de tudo. O problema é saber se o instrumento realmente deveria estar lá. Isso porque Moura sublinha os competentes arranjos com uma linha melódica tão maçante que consegue ser desnecessária. E a insegurança na execução dos fraseados remete a performances infantis de recital.

Em relação a sua infeliz antecedente, a faixa ‘Por Amor’ só apresenta um recurso a mais: a razoável intervenção de um solo de sintetizador do produtor Petta, medida que se perceberá em diversas faixas como compensação para as construções telegráficas de Moura. Mesmo assim, ‘Por Amor’ nunca irá além de ser mais uma peça para recepções de casamento. Ou ainda a trilha ideal para ocasiões em que qualquer coisa serve para abafar o barulho de várias pessoas mastigando ou de crianças pentelhando. Já a fastidiosa ‘Um Velho Sonho’, espécie de gêmea com Q.I. baixo da anterior, simplesmente não acrescenta em nada no repertório.

A anemia que perpassa a obra só é interrompida, não coincidentemente, pelas únicas peças que Moura não escreveu. A releitura da ‘inédita’ “Bachiana no. 5”, de Villa-Lobos, é ousada e alcança o bom gosto dos super-jingles eruditos de um Paul Mauriat. A também judiada ‘Concerto para uma só voz’, de Saint Preux - grafada ‘conserto’ no encarte - seria mais uma escolha arriscada. Mas a versão pé-de-serra pensada por Moura e sua trupe é aceitável, o que já é muito. E os instrumentistas conseguem protegê-la do piano preguiçoso que, volta e meia, insiste em dar pitaco.

O início malvado e ao mesmo tempo primário da versão para ‘O Lago dos Cisnes’, de Tchaikovsky, deve ter encorajado o compositor russo a dar no mínimo três boas piruetas de contrariedade em sua cova. Mas quando o guitarrista se impõe como solista, a peça cresce, até ousando tornar-se válida. Já ‘O Retorno’, composta por Petta, é daquelas faixas-bônus que superam o dito conteúdo oficial. E Moura parece nem ter sido convidado para gravá-la, tamanha a ausência de algo de seu em qualquer elemento lá atuante.

Graças a esse trabalho, o autor pode até não figurar entre os grandes virtuoses do instrumento que finge dominar. Mas é quando se mostra incapaz de se fazer notar no próprio disco que o compositor se revela uma mãe para quem tem mais a oferecer do que ele. De solidão, portanto, João Moura não sofrerá.

1 comentário:

Anónimo disse...

É impressionante o quanto aqueles que menos sabem, se arvorarem a tecer criticas horrendas e asquerosas contra simples mortais que apenas buscam um lugar em seu reduzido universo nordestinado. As elites sempre se pautaram na leveza da vida fácil, às custas dos esforços dos mais humildes, e, quando um destes intenta alçar vôos mais altos, é certo que surgirá um deles a subjulgar o talento popular e se arvorar a sabedor dos caminhos que conduzem à luz. Pequenos de espírito são os que sobrevivem do sangue e suor alheios, como os mais perfeitos parasitas, como este crítico, que beira a imbecilidade para atacar uma obra de que deveria sentir orgulho. Isto por várias razões, más ao invés, prefere agradar aos "mentes vazias" que ostentam o glamour de uma sociedade em abissal decadência. Critique. Critique sempre. Malhe o dom dos outros, pois a você, senhor crítico, foi reservado pelo universo a gerar os fatos que deleitaram os donos da corte, da qual vossa pessoa é, senão, o elegante bôbo. Felicidades na medida do seu merecimento.