12 maio 2008

Apelando pra valer


A obra:
‘Fazendo Valer’, de ALapada, obra lançada em 2007. Banda é formada por Nanah Escalabre nos vocais, Júlio Fonseca na bateria, Jamesson Santana no baixo e Evandro Schiruder nas guitarras

A crítica:

Nota: 5,13

O pop rock nacional sempre foi ruim de doer. Engordou algumas contas bancárias por aí, mas nunca se estabeleceu como um nicho musical pertinente. Nos seus primórdios, não passava de um pastiche subnutrido e ababacado das toneladas de referências estrangeiras: era a versão ki-suco dos sumos euro-americanos. Quando deixou a casa dos pais e foi pra rua, o estilo gerou um punhado de criadores que precisou tomar vitaminas de MPB para amenizar o raquitismo estético. E de uns anos pra cá não passa de mais um elemento de reforço às pesquisas que acusam o baixo nível de escolaridade da população, tamanha a série de atrocidades lógicas e homicídios lingüísticos involuntários cometidos nas letras.

O poço, portanto, é fundo demais. E Alapada parece ter pago para entrar em um balde e descer até lá. Porque ‘Fazendo Valer’ é indubitavelmente um filho legítimo daquelas profundezas. É um ki-suco sabor Sudeste. Mas depois de situar a obra como insípida e inodora, torna-se obrigatório certo exercício de relativização, que é: nas zonas escuras do cancioneiro nacional, e somente lá, ‘Fazendo Valer’ é relevante. Um posicionamento mais exaltado até estabeleceria o trabalho como candidato à obra-prima da ‘forgetable music’. Mas ainda que esse título seja tão importante quanto saber qual a melhor faixa do pior disco do Legião Urbana, revela um atributo crucial d’Alapada; uma qualificação que separa quem aparece e quem é engolido pelo anonimato no mercado pop: a capacidade para entender fórmulas e compor rigorosamente dentro de seus limites.

Não é nada muito complexo. Na verdade, trata-se de uma equação de primeiro grau. E o resultado, ainda que não se limite necessariamente a zero, nunca atinge grandes valores. Mas a submissão de ‘Fazendo Valer’ aos trâmites formulaicos do rock de gueto, ou ‘streetero’, é de uma aplicação exemplar. O enquadramento mais explícito encontra-se nas letras, que não se contentam em ser moralóides, adolescentes e de inteligência econômica, exatamente como reza a cartilha das maiores referências nacionais do rock-pipoca: elas também carregam a aflição rasteira dos moleques das megalópoles, esmagados diante da muralha de prédios. É verdade que a questão é mais estilística que antropológica – ninguém precisa se limitar a cantar para a aldeia-mãe. Só que isso não safa Alapada de ter gravado o disco mais paulista já feito por aqui.

Por isso ‘De Boa’ é tão Charlie Brown Jr que mais parece uma versão. Está tudo lá: intróito com bumbo, chimbal e guitarra abafada; a levada ska; a referência ao próprio nome da banda na letra; a linguagem de gueto dos ‘manos’; as frases corridas que remetem ao percussionismo verbal do hip hop; o refrão convocador; e a necessidade de transmitir experiência em dificuldades e, sobretudo, dureza. A fórmula está tão rigorosamente obedecida e aplicada que chega a ser constrangedor. E trata-se, em valores absolutos, de faixa vazia e artificial. Mesmo assim, é um bem-sucedido rock-chiclete. Mas tal como qualquer substância pegajosa, só pode permanecer aderente por mais tempo que o necessário por acidente. Como chiclete no cabelo.

‘Deixando saudade’ também não vai além do que as FMs pedem. A letra, vislumbrada de longe, parece sobre um relacionamento. De perto, porém, não tem muito sentido, funcionando apenas como mau pretexto para a linha vocal. Mas já é necessário ter de reconhecer que, embora Alapada tenha ido buscar em São Paulo as ‘fôrmas’ de suas canções, não é formada, em absoluto, por músicos incompetentes. A bateria é correta; o baixo não atrapalha; as guitarras são executadas com a precisão de quem a domina em estilos muito superiores. E o vocalista cumpre bem seu papel. A bagagem técnica do quarteto, porém, só lhes fornece ferramentas para imitar qualquer coisa.

Como em ‘Andarilho’. Depois de mostrar esmero em macaquear a petulância quadrúpede dos Charlie Brown Jr, Alapada exibe aqui sua clonagem de Biquini Cavadão. A melodia e os arranjos soam tão característicos da banda carioca que poderiam chocá-los de decepção: a equação por trás do resultado foi desmascarada. Na acústica ‘Além dos Olhos’, a recorrência ao carioquês para untar as passagens entre frases é conveniente, apesar do segundo grau mal feito ter pesado na letra – ‘foi quando eu conseguir ajustar’ [sic]. Mas esse recurso apenas reforça o empenho de Alapada em somar ao que já é feito em despudorado descontrole por aí. É por isso que ninguém vai notar se a banda, por qualquer razão, resolver sumir do mapa.

Se todo o disco dependesse de faixas como ‘Drama de Controle’ e ‘Beijo de Judas’, porém, o desaparecimento da banda iria do pouco notável ao desejável. Na primeira, uma irritante economia harmônica se multiplica com a pobreza dos riffs e é decuplicada pelo refrão tapa-buraco. A conta dá mil: mil vezes esquecível. A segunda, por sua vez, já se denuncia no título ser um vértice de todo o moralismo barato de auto-ajuda que se configura na ‘mensagem positiva’ que a roqueirada pretende passar aos pivetes. Pelo menos a faixa desperta reação imediata: não são necessários mais do que 30 segundos para que ou sono ou irritação aflorem. Mas há um oásis: o interessante arranjo de guitarra no meio, que ofusca o sermão chinfrim que a sublinha. O mesmo se dá em ‘O Calibre’. Lá, o arranjo na zona intermediária consegue ser superior à canção inteira. Contudo, até que se chegue a esse ponto, toda sorte de reações torpes é despertada diante da faixa, profunda como uma folha de papel.

Mas quem liga. Em cada centímetro do encarte e em cada segundo das faixas, está claro que o objetivo de ‘Fazendo Valer’ nunca foi o de ser lembrado. Pelo menos pelo público: comercial até os liames da sem-vergonhice – os ‘s’ dos nomes dos integrantes são cifrões no encarte –, a obra está no ponto para receber sela e arreio das grandes gravadoras. Na verdade, mais que isso. Obediente a tudo, Alapada já está pronta para ser montada.

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