29 outubro 2009

FEITO PARA REBANHO

A obra: ‘Vida De Gado’, de Antônio Carlos du Aracaju. Gravada em Recife e em Aracaju, disco contou com Jorginho, Moabe e Mongol no Baixo; Ravenghar, Mestrinho, Genaro e Alegria no acordeão; Ivo e Escurinho na Zabumba; Wellington e Raimundo na bateria.

Indicado para: quem consegue ouvir apenas o triângulo, a zabumba e a sanfona no meio de tanta chatice e previsibilidade.

Nota: 4,01

A crítica:

O posicionamento que Antônio Carlos Du Aracaju adota pra fazer forró é coisa para Globo Repórter ou Discovery Channel. É estranho, torto, desafiador, indefinido e, se não houver alguma forma de registro, ninguem vai acreditar. Ora, ‘Vida de Gado’ é esse registro. É estranho, é torto, é indefinido. E é também desafiador, só que da paciência e da noção de otimização de tempo. O problema é o negócio da crença. Encerrada a audição da obra, acredita-se em ainda menos coisas.

Não dá pra acreditar, por exemplo, que o forró é um estilo plural. Ou que o forró sergipano está levemente acima dos demais. Ou que é possível misturar qualquer coisa com forró. Ou que ainda é possível escutar algum disco desse sujeito sem achar ofensiva a imagem do plugue do som encaixado na tomada. Tudo isso porque ‘Vida de Gado’ é uma coleção de pequenos acertos potenciais transformados em bagulho. É uma soma nada atraente de um conservadorismo entediante com invencionices atabalhoadas. É um registro, enfim, do quanto Du Aracaju não maturou nem assumiu ainda o devido controle de sua proposta.

Quem tiver estômago que confira por si só. De cabo a rabo desse disco, o que se tem é uma coletânea mal acabada das menos atrativas e convencionais fórmulas de forró temperada com letras apocalípticas e teclados de churrascaria. Claro que a melhor forma de apreciar isso é forrozeando no salão, atividade que exige a audição como suporte mecânico, não como faculdade de apreciação. Mas com uma lata e um toco de pau também é possível pôr todo mundo pra botar a mão no joelho e dar uma agachadinha. Ou seja, Sheila Carvalho: um disco dançante está na mesma categoria de uma lata e de um toco de pau. Fundado em regras quadriláteras e na destruição de idéias potenciais para compor seu trabalho, esse ‘Vida de Gado’ só consegue ir mais longe que a lata e o toco de pau em um único atributo: na insistência em não acabar quando todos já imploram desesperadamente pelo seu fim.

Ê, ENTRADINHA

Que se faça justiça antes de mais nada. A primeira peça, ‘Em nome do Pai’, não é uma canção ruim. É uma canção desperdiçada. Harmonicamente, é coisa de quem de fato tem o que oferecer no forró. E melodicamente, ao menos em sua maior parte, tem lá seu valor. O primeiro problema é que a letra não consegue se decidir entre as aceitáveis e convenientes sertanices e os arroubos tresloucados de anarquismo de beira de estrada. Apenas em um disco como esse é possível encontrar uma canção em que o sujeito desce a ripa na política internacional e, em um espaço de cinco segundos ou menos, declama ‘ê boi’ sem nenhum constrangimento.

Mas quem dera isso fosse o pior. Lamentavelmente, o buraco é tão mais embaixo que resvala em Pequim, e o apodrecimento eterno de ‘Em nome do Pai’ é causado pelo inovador desempenho de Du Aracaju em certos trechos de sua própria melodia. Na verdade, nos mesmos trechos a canção inteira: quando assoma um acorde diminuto por lá, o cantor se estremece, dá cambalhota, faz careta, fuma cachimbo e apita, invoca o caboclo, bate palma, grita saravá, mas não consegue cantar afinado sobre a maldita harmonia em absolutamente nenhum momento. Para entornar de vez o banheiro químico, puseram a faixa como abertura. É simplesmente impossível acreditar que um deslize animalesco como esse tenha passado incólume sem que algo terrivelmente bizarro possa ter acontecido.

Já em ‘O Canto do Povo do Meu Lugar’ o autor se recupera em alguns aspectos. Com harmonia simples e arranjos básicos, sem firulas nem invencionices prejudiciais, Du Aracaju faz bem à canção, originalmente peça folclórica de Porto da Folha. No final, porém, sobra na curva, e começa a regurgitar em tom de comentário que a faixa é dedicada a essa e aquela outra personalidade, professor, vizinho, dono de bodega, sabe-se lá quem mais. Não é preciso muito esforço para constatar que os homenageados, muito provavelmente, devem zerar o volume da peça justamente no momento em que são citadas.

BRASÍLIA

A biográfica e extremamente lamentosa ‘Esta é minha história’, de Walfran Soares, é outra que não chega a despertar em ninguém o desejo de chutar o alto falante, mas também não impressiona. O interessante é que se trata de peça tão enegrecida pela desgraçada trajetória do eu lírico que dançar ao som disso torna-se, no fim das contas, quase que cinismo. Já a imediatamente esquecível ‘Casa de forró’, mesmo sem nada a agregar ao que já tem sido feito e continuará sendo infinitamente, cumpre integralmente sua tarefa de ser apenas dançante. O problema são as quatro buzinas de Brasília que insistem em se comportar como se fossem teclados e enterram de vez o que já não estava em pé direito.

A seguir, Du Aracaju vai ao banheiro e dá um espaçozinho pra sua irmã Cidinha. E mesmo com a ausência temporária do proprietário, a casa não cai. Afinada, sem afetação e sem lampejos de diva, a cantora administra de forma razoável a metida a salsa-xaxado ‘Nega Forrozeira’ e a mediana pós-porre alcoólico ‘Deixa de ser besta, coração’, mesmo sem conseguir ser necessariamente imprescindível ao conjunto da obra. Já o protagonista, quando volta, insiste pesado no binômio festa junina/jingle de prefeitura com a apenas animada ‘Forró de Areia Branca’. A letra funciona, a ritmia contagia, as buzinas de carro popular disfarçadas de teclado ficam mais comedidas, mas harmonia e melodia não saem nunca das convenções. ‘Forró de Areia Branca’ é tão passável que está fadada a sobreviver apenas durante a festa que homenageia.

ÉPICO

Lenta e algo paisagística, ‘Vida de Gado’ também não representa em si nenhum esforço de Du Aracaju para ser lembrado. Entretanto, a tentativa de casá-la com uma orquestra sinfônica, representada pela presença de cordas sintéticas ao fundo, tem lá alguma coisa de interessante. E isso mesmo com a sonoridade rascante do acordeão, que, com seus imensos acordes aparentemente feridos sem muito critério, toma a frente de tudo e joga areia no efeito da soma insólita. Em ‘Não Deixe o Véio Chico Morrer’, porém, a convivência do trio pé-de-serra com a ‘orquestra’ é, além de mais equilibrada, mais contributiva para o valor da faixa. Só que isso não quer dizer que a peça seja incrível: ‘Não Deixe o Véio Chico Morrer’ não vai a lugar nenhum com seu discursinho politizado sem graça e seu pálido conservadorismo.

Nada do que prende a anterior às fórmulas se encontra na irregular ‘Cheiro de Paraíso’. Pela primeiríssima vez em todo o disco, Du Aracaju não se mostra interessado em reverenciar ninguém nem em fazer balançar pezinho nenhum, apesar da força rítmica. A canção pulsa, fazendo que vai e não indo, e tudo em cima de uma proposta harmônica simples e eficiente. Mas lá vem a letra, insistente nessa coisa de se posicionar como adendo a qualquer acerto do autor. Com grandiosas, abiloladas e pouco sutis citações bíblicas, Du Aracaju parece estar convencido de que falar de qualquer tema sagrado, de qualquer jeito, agrega valor a qualquer coisa por si só. Só que uma atitude como essa acaba gerando um resultado muito mais inócuo e deslocado esteticamente do que o desenvolvimento original de qualquer um dos temas universais – de novo: universais - tratados no tal do Livro. A chatíssima ‘Bolo de feira’, por sua vez, é excretável com muito mais rapidez e facilidade do que a iguaria citada.

‘Vida de Gado’ é disco pra boi dormir. É um fracasso. É ruim demais. É até mesmo inferior a milhares de discos dançantes de forró tradicional espalhados por aí. Mas não é necessariamente o fim absoluto de Du Aracaju como compositor, embora dificulte seriamente quaisquer tentativas de concedê-lo algum crédito. Embora predominantemente intragáveis, as canções possuem uma certa base de competência, que revela o quanto o autor entende da estilística. Mas até agora o único resultado do exercício de seu conhecimento foi mostrar como dezenas de composições, arranjos e trocentos instrumentistas podem ter o mesmo valor, no fim das contas, de uma lata e um toco de pau.

3 comentários:

Patativa Moog disse...

Ainda bem que eu não sou um ARTISTA SERGIPANO, senão eu ia querer que o senhor fizesse uma crítica do nosso novo CD, UNIVERSAL PARK, e ia ser massa demais ganhar uma nota 2,5... Rsrsrs... Textos ótimos (segundo o meu critério sem muito critério). Estou seguindo. Abraço, moço. \o

Marcos disse...

Vc deveria lavar a sua boca com água sanitária dela só sai porcaria, deveria respeitar o trabalho do Artista Antônio Carlos Du Aracaju, respeitado em vários Estados, é pessoa como vc só faz denegrir a imgagem dos Artistas Sergipanos.

Igor Matheus disse...

Ser respeitado em vários estados não quer dizer nada em lugar nenhum. Mas ter uma legião de puxa-sacos em um único estado - o de demência - é bem elucidativo.