08 outubro 2009

PRÊMIO ‘COCÔMENTÁRIO DO ANO’ - I


Muito bem baixinhos, hoje estrearemos uma nova seção neste antro de maledicências. Trata-se do prêmio ‘Cocômentário do Ano’, destinado às reações mais notavelmente esquizofrênicas e apaixonadas diante dessas ‘humildes’ resenhas. Nosso primeiro candidato é um rapaz (?) tímido chamado Anônimo, que tratou de deixar a marca de sua patinha na resenha ‘O Homem que Não Estava Lá’ sobre o indigerível ‘À Flor da Pele’, de João Moura. Leiam. Volto depois (obrigado, R. Azevedo).

"É impressionante o quanto aqueles que menos sabem, se arvorarem a tecer criticas horrendas e asquerosas contra simples mortais que apenas buscam um lugar em seu reduzido universo nordestinado. As elites sempre se pautaram na leveza da vida fácil, às custas dos esforços dos mais humildes, e, quando um destes intenta alçar vôos mais altos, é certo que surgirá um deles a subjulgar o talento popular e se arvorar a sabedor dos caminhos que conduzem à luz. Pequenos de espírito são os que sobrevivem do sangue e suor alheios, como os mais perfeitos parasitas, como este crítico, que beira a imbecilidade para atacar uma obra de que deveria sentir orgulho. Isto por várias razões, más ao invés, prefere agradar aos "mentes vazias" que ostentam o glamour de uma sociedade em abissal decadência. Critique. Critique sempre. Malhe o dom dos outros, pois a você, senhor crítico, foi reservado pelo universo a gerar os fatos que deleitaram os donos da corte, da qual vossa pessoa é, senão, o elegante bôbo. Felicidades na medida do seu merecimento".

AGORA EU.

Tenho alguma desconfiança bem fundamentada acerca da identidade de quem escreveu esta pérola subromântica acima. Talvez tenha sido alguem que, depois de ter lido a orelha de alguma obra de Eça de Queiroz, tenha achado tudo muito lindo e decidido brincar de adivinhar o significado de algumas palavras e o posicionamento de algumas vírgulas. Mas lá no fundo mesmo, já resvalando no meu tédio - como faço em quaisquer comentários desse naipe que me aparecem por aqui -, a identidade deste incomparável gênio das letras não me interessa. Mesmo assim, palmas. Muitas palmas para o sr. Anônimo. Porque eis que, por trás de sua retórica machadiana (de seu Machado, simpático vendedor de inhame das feiras de sexta daqui perto), nosso bardo atingiu um feito tão inacreditável que se tornou muito difícil a recomendável tarefa de ignorá-lo: conseguiu ser mais entediante que o próprio disco de João Moura.

Comecemos pela classificação do artista em questão como um arauto da humildade. Ou como um pobre operário artístico. Ou como um comedor de PF dos teatros. Ou como um bravo gari de casas de espetáculo. Coitadinho. Brasileiros e brasileiras: João Moura está pedindo socorro. A falta de patrocínio e de infraestrutura afetou sua inventividade para compor e arranjar e, por isso, nosso herói não alcançou as ‘condições ideais’ para gravar o seu disquinho. Vamos nos sensibilizar e adquirir imediatamente toda sua obra antes que ele comece a vendê-la nos ônibus - para completo desespero dos próprios usuários e da concorrência, formada por vendedores de canetas, adesivos e chicletes. Seguremos então nas mãos de Deus. E vamos... para o próximo parágrafo.

Ora, fazer carinha de choro não dá mais graça, pois a luta de um artista pelo seu reconhecimento não é uma qualidade individual de João Moura ou de qualquer outro. É um aspecto inerente à tortuosa trajetória (bocejo) de qualquer um que se arrisque a ganhar seu pão - ou seu farelo - tocando, cantando, compondo, dançando, romanceando, poetando ou filmando por aí (coma sonífero). O uso da dificuldade como argumento é a admissão da incapacidade de ser versátil e criativo – porque as dificuldades nunca impediram a inventividade, isso quando não a intensifica – e, por extensão, é a admissão da falência da própria obra.

Uma acusação engraçada é a de que a crítica é um exercício de quem se acha conhecedor dos ‘caminhos da luz’. Caminho da luz, pra mim, é a estradinha de barro que vai dar na Energisa, a empresa que administra a rede elétrica daqui. Isso porque não existem fórmulas ditadas por Deus para uma obra de arte perfeita. E essa é a grande graça da Arte. E é o que nos deixará versando e brincando de entender dela até os dinossauros voltarem de seu já demorado passeio extradimensional. Na verdade, talvez o sr Anônimo tenha confundido ‘pregação’ com ‘opinião’.

Não acabou. Ainda há o indispensável ‘tem pena d’eu’, que assoma vez ou outra em discursos do tipo acima qual bravios ‘marinheiros’ em descarga mal dada. Ao frisar expressões como ‘apenas buscam um lugar em seu reduzido universo nordestinado’ e ‘obra de que deveria sentir orgulho’, nosso Augusto dos Anjos está argumentando que, ‘apesar de ser nordestino e viver no salci-fufu do mundo, João Moura conseguiu ser músico e compositor, e isso é um mérito que se basta’. Não é não. Ora, o Nordeste é de fato o fim da picada. É - ainda - o lixão de um país que, por sua vez, é um aterro sanitário. Mas a fome, a cólera e a miséria, ainda que possam atrapalhar a construção daquele hospital, o financiamento daquele projeto ou o leite daquelas criancinhas, não justificam a anemia cultural. Dois pontos aqui: na Arte - com algumas reservas ao dispendioso Cinema -, não existem justificativas socioeconômicas para quem é apenas pura e simplesmente ruim.

O que é ainda mais temerário é que a linha argumentativa do coitadismo é compartilhada por uma patota numerosa que realmente se leva a sério. Isso significa que aqueles que se referem a si mesmos como artistas ‘apesar’ de nordestinos ou habitantes de um ‘reduzido universo nordestinado’ também se auto estabelecem paladinos de uma tal identidade cultural local (que rima com pega no meu p...). Mas esse assunto é tão chato e circular que nunca-na-história-deste-país alguem chegou a algum lugar, ganhou dinheiro ou sequer conquistou alguma garota com ele. Já estou suando frio para encerrar logo toda essa verborréia.

Então que se diga de uma vez por todas que: o atributo ‘humildade’ não interessa, nunca interessou e nunca interessará a quem quer que venha a analisar um trabalho artístico qualquer com o discernimento um pouco maior que o de uma galinha. Arrogante ou simples, irascível ou maleável, machão ou baitola, afetado ou cool, conservador ou relativista, experimental ou nostálgico, o protagonista tem que mostrar a que veio dentro dos malditos 60 minutos que lhe são disponibilizados na mídia de vinil ou de acrílico. É lá que ele tem de se justificar. E já está tarde para reforçar que, ao se gravar um disco, é preciso trocar essa humildade broxa por coragem e vergonha na cara, pois ‘imortalizar-se’ em uma gravação é coisa de quem está colocando o lindo rostinho a prêmio. Quem sente pena de si mesmo que não cometa o desgraçado erro de disseminar-se, poupando o mundo de sua autocomiseração, de sua preguiça e de sua miséria criativa.

Quem não consegue compreender que a resenha estética de um disco precisa ignorar o processo de manufatura para se concentrar no produto não sabe em que se meteu. Está perdendo tempo no meio artístico, quando poderia, por exemplo, reforçar a venda de inhames em feiras populares afora. É o que se recomenda ao nosso amigo acima, uma vez que é preciso fazer um esforço mastodôntico para arrancar de suas poucas linhas algum argumento válido. Nem mesmo o mote de que a ‘sociedade está em abissal decadência’ é algo digno de reflexão. Porque a sociedade não está em decadência. A sociedade, ao contrário, já se tornou um imenso show de calouros, onde gênios e aberrações têm espaço garantido. E a maior prova disso é alguem como João Moura ter conseguido gravar um disco - apesar não de ser nordestino, mas de ser detentor de uma inesgotável capacidade de não ter absolutamente nada para mostrar. Isso, amiguinhos, é ser feliz muito acima de seu merecimento.

1 comentário:

Paula Belém disse...

kkkkkkkkkkkkk

Acho interessantíssimo o uso de palavras rasbiscadas com trajeitos bem formais para responder textos que assolam as preocupações e indignações alheias através deste blog.

Seria para convencer a opnião contrária, leitores que apreciam os textos escritos aqui? Bem arvorismos sempre irão existir, porém tbm podem ser podados.

Gente, por favor, para que tanta complexibilade num comentário? [kkkkkk]Desse modo eu prefiro ler Levy Pierry


Adoro!